O Petrópolis Hotel foi inaugurado formalmente no dia 15 de agosto de 1923. Sua entrada era pela rua Frei Caneca, número 92. Os seus 60 quartos, em sua maioria com a frente voltada para a então chamada rua do Areal, atual rua Moncorvo Filho, possuíam água corrente, telefones e eram finamente mobiliados. No primeiro andar, existia um restaurante-café, com uma bomboniére, de onde se embarcava no elevador que servia os 3 andares do prédio e seu terraço. Este contava com um bar e um espaço para festas. De lá, o hóspede podia aproveitar uma boa vista da Cidade Maravilhosa da década de 1920.
Para a época, era uma boa localização. Ficava perto da Praça da República, em sua antiga configuração, sem o corte da futura avenida Presidente Vargas e da estação ferroviária da Central do Brasil. Era servido por várias linhas de bondes que faziam ponto nas imediações. Tinha como vizinho o recreativo Luzitano Club, da rua Frei Caneca, com suas vesperais dançantes, animadas por jazz-bands.
Na mesma rua, na esquina oposta, da rua do Areal com a Praça da República, estava o casarão do Conde dos Arcos, antigo prédio do senado imperial e da República Velha, que funcionou ali até dezembro de 1924, depois, no ano seguinte, foi transferido para o Palácio Monroe.
Hermeto Lima, erudito e historiador, deixou memória escrita sobre a antiga rua do Areal. Antes, era rua das Bôas Pernas, assim chamada pela dificuldade de transpor a via coberta por areia. Depois, foi renomeada Barão de Paranapiacaba, mas o nome não vingou. A rua ganhou seu nome definido por ordem do prefeito Carlos Sampaio, em 1921, em homenagem ao pediatra Moncorvo Filho, fundador da Assistência à Infância do Rio de Janeiro, que funcionava quase em frente ao hotel.
Em fevereiro de 1923, o prédio estava à venda, anunciado pelo antigo dono como “acabado de construir” e “próprio para hotel ou pensão". Tinha originalmente 48 quartos, 4 lojas térreas. A sociedade no hotel foi constituída pelos sócios Manoel de Almeida e o capitão Manoel Quintella, que já era do ramo, firma registrada para “comércio de aposentos mobiliados”, sob a firma Almeida & Quintella, com capital de Rs 80:000$000 - oitenta contos de réis. Funcionou em “soft opening” desde junho de 1923 até agosto.
Durante algum tempo, foi ponto de comemorações, réveillons e, lógico, bailes carnavalescos. A festa de Momo de 1924 foi organizada com a construção de vários coretos ornamentados em frente ao prédio do hotel, baile à fantasia no terraço e uma batalha de confete desde o Campo de Santana até a Avenida Mem de Sá. Uma comissão julgadora, composta por membros da imprensa, dava notas para os foliões e para o desfile de automóveis.
Apesar de ser descrito como “elegante”, era um hotel com preços módicos e não tinha condições de competir com os grandes estabelecimentos do centro, como o Avenida, na Avenida Rio Branco. Além disso, a construção de opções de luxo, como o Glória, inaugurado em 1922, ou o grande Copacabana Palace, em 1923, apontavam para uma nova configuração do setor hoteleiro do Rio de Janeiro.
A degradação foi rápida. Certamente as lojas térreas não pertenciam aos sócios. Já em 1924, Abílio Vieira & Companhia abriram uma fábrica de caixotes no mesmo endereço, serrando, martelando e acabando com o sossego dos hóspedes.
Os problemas maiores começaram no final da década de 1920: penhoras de bens para pagamento de impostos e títulos protestados. O hotel passou a se chamar “Rio Petrópolis”, em 1926. Em 1929, o vizinho Luzitano Club fecha as portas. Um novo dono, Manoel A. Affonso, é notificado por infração de posturas municipais: o elevador do prédio estava “funcionando em desacordo com a lei”.
Em 1938, veio o golpe final. O então primeiro delegado auxiliar da capital, Dr. Frota Aguiar, enviou um ofício ao chefe de polícia, o sinistro Filinto Muller, pedindo o fechamento de vários hotéis do Rio de Janeiro, por irregularidades, pois estavam funcionando com finalidade diferente do que estava previsto nas suas licenças. Dentre eles, o Rio Petrópolis. Para piorar, os gerentes do negócio foram acusados de facilitação da “prática de lenocínio” - exploração ou facilitação da prostituição.
Algumas reaberturas, melancólicas, foram tentadas. Com outros nomes, o ponto acomodou, em 1941, o Panamá Hotel, “rigorosamente familiar”, oferecendo “salas e quartos” para aluguel. Em 1947, o prédio passou por reformas e o negócio de hotelaria reabriu sob o nome de Rio Negro. O estabelecimento foi comprado por evangélicos e oferecia descontos para pastores, em 1951. Com o mesmo nome, mudou de dono várias vezes, mas nunca perdeu a fama de “barra pesada”. Em 1958, uma gangue de ladrões paulistas, sob o comando do vulgo “Promessinha", foi presa no local. No final da década de 1960 foi comprado por espanhóis, agora renomeado de Hotel Guisande. Foi fechado no mesmo ano, sob a velha alegação de local de favorecimento à prostituição.
Hoje o prédio é residencial, descaracterizado e em péssimo estado de conservação. Quase um “estudo de caso”, o ponto sofreu com a franca decadência da zona central da cidade, com o deslocamento dos atrativos turísticos, com a mudança daquilo que se costumava chamar de “sala de visitas do Brasil”, definitivamente de malas prontas para a zona sul do Rio e suas praias.
Após anos de negligência, foi assinada a lei complementar número 229 de 2021 que instituiu o programa “Reviver Centro”, da prefeitura do Rio de Janeiro. O projeto tem a intenção de recuperar a zona central da cidade. Logrou êxito em alguns eixos viários do centro, com a reconfiguração do porto, retrofit predial, ressignificação de velhos edifícios e a construção de novas unidades habitacionais. No ano de 2024, foi anunciada uma grande revitalização do Sambódromo e a derrubada do elevado 31 de março, quase vizinhos do antigo hotel Petrópolis. Que as obras tragam dias melhores para a região.
*BNRJ - Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
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Flavio Santos
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