O Hospital Nossa Senhora das Dores
- Flavio Santos
- há 4 dias
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A tuberculose foi um flagelo que ceifou milhares de vidas no Brasil entre os séculos XIX e XX. A corte imperial era um dos lugares mais propícios para se contrair uma doença, com admoestações internacionais para se evitar o desembarque no porto do Rio de Janeiro. As autoridades imperiais estavam atentos para a necessidade de se construir estabelecimentos específicos para isolamento e “tratamento” dos enfermos, pois, na verdade, o diagnóstico era uma sentença de morte pela “Dama Branca”. As instituições funcionavam como locais de espera da morte. Já em 1838, o provedor da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, José Clemente Pereira, reclamava que não existiam cômodos separados para os “tísicos”.

Ainda no terreno do complexo da Santa Casa, da praia de Santa Luzia, foram construídas novas enfermarias para separar os tuberculosos, e assim permaneceu até 1883. As dependências estavam sempre lotadas e a arquitetura não retratava o conhecimento médico-científico da época. Portanto, era preciso tirar os enfermos do centro do Rio de Janeiro e construir instalações modernas.

Em 8 de novembro de 1883, o então provedor da Santa Casa, João Maurício Wanderley, o Barão de Cotegipe, autorizou a compra da “chácara do Ferraz”, na longínqua localidade rural de Cascadura, na época, uma freguesia do Engenho Novo. A chácara pertenceu ao conselheiro Luís Pedreira do Couto Ferraz, o Visconde do Bom Retiro, comprada pelo preço de 34 contos de réis. Com a morte do conselheiro em 1867, o terreno foi, em parte, desmembrado e vendido.


A propriedade era vizinha da residência do vigário da Candelária, reverendo Antônio de Pádua e Silva. O imóvel ficava em uma colina com água potável, com alamedas cercadas de plantações de bambus, arvoredo, mangueiras “da Bahia” e um pomar. Um pequeno córrego, perene, canalizado em 1891, cercava a chácara, que tinha três “frentes”, sendo uma para a Estrada Real, lugar onde os médicos mandavam convalescer seus doentes.

O antigo hospital foi inaugurado no casarão da propriedade, em 1884, exclusivamente para o público feminino. É considerado o primeiro hospital específico para o tratamento de tuberculosos no Brasil. Serão as irmãs de São Vicente de Paulo, juntas ao corpo médico, que darão suporte ao tratamento dos enfermos. Em 1907, os repórteres do Jornal do Brasil fizeram uma visita e ficaram bem impressionados com as instalações. O hospital era comandado pelo doutor Silva Gomes, o “médico dos pobres” e um dos incentivadores do projeto. Se as condições de isolamento do prédio eram perfeitas, ainda era um espaço adaptado.


Em 1910, o casarão antigo começa a ser demolido. O novo hospital, na Estrada do Campinho, de 1914, foi construído com o aporte financeiro do poder legislativo e contraparte da Santa Casa. A empreitada foi um esforço do médico Miguel de Carvalho e teve suas obras supervisionadas pelo sanitarista Oswaldo Cruz. O conjunto era formado por 16 edifícios, sendo seis pavilhões de forma circular, elevados do solo, distanciados e com dois andares. Os pavilhões circulares têm 6 metros de pé direito, com capacidade para 16 leitos, eles eram ligados por passadiços e um elevador. No centro de cada pavilhão, existia uma chaminé para levar o ar respirado para fora da cumeeira cônica do telhado. Todos eram circundados por uma varanda de dois metros, de onde recebiam a luz do sol nascente. O conjunto ainda era formado por um pavilhão octogonal e outro retangular para serviços auxiliares. Foram projetadas também a lavanderia, o necrotério, o plano inclinado, o desinfectório, o fornecimento de água quente, refeitório individual, incinerador a gás para os detritos, dentre outras. Ainda em construção durante a inauguração, uma pequena pérola, a capela neogótica de Nossa Senhora das Dores. As obras ficaram por conta de R. Rebecchi & Co.





A festa de inauguração contou com a presença do presidente da república, Marechal Hermes, do cardeal Arcoverde, do Dr. Paulo de Frontin e do prefeito da capital, Bento Ribeiro, dentre outros. A comitiva saiu da estação Central do Brasil na manhã do dia 25 de junho, num trem especial. Chegaram à estação de Cascadura às 10:30 da manhã e entraram em um carro que os conduziu pela alameda que dá acesso ao hospital. Foram recebidos pela banda de música dos “Expostos”, vestidos com seus fardamentos. No salão da secretaria, foi feita uma solenidade com discursos. Ao meio-dia, foi servido um lanche rápido, terminando a inauguração oficial às 12:20.


Apesar da boa intenção e de toda a pompa, o número de doentes aumentou e o número de mortes, atingindo seu auge em 1925. Um ano após a inauguração e da segregação feminina, as enfermarias da rua de Santa Luzia estavam lotadas de tuberculosos e o Hospital Nª Srª das Dores estava com sua lotação máxima. Mesmo sobrecarregado, em 1919, o jornal Gazeta de Notícias fez uma visita às instalações do hospital e saiu muito bem impressionado com as condições do estabelecimento. Causou comoção a situação das internas “sem salvação” e as demais que, àquela altura, contavam 237 almas, a lotação máxima da casa.


Ao longo do século XX, com o aparecimento de novos medicamentos e do diagnóstico precoce, dificilmente o enfermo ia ao encontro da morte. Na década de 1960, o hospital sofreu reformas e remodelações, ganhando novas especialidades médicas e funcionando como hospital geral. Nos anos 70 e 80, fez convênio com o antigo INAMPS e o IASERJ. Os doentes de tuberculose foram transferidos, aos poucos, para o hospital São Sebastião, no bairro do Caju. A ala psiquiátrica ganhou destaque. Problemas financeiros da Santa Casa e a falta de repasse de verbas fizeram a unidade hospitalar entrar em decadência, nos últimos trinta anos.

Em 2024, a Prefeitura do Rio inaugurou, em parte do complexo, uma unidade de acolhimento de pessoas com transtornos psíquicos e moradores de rua. Existem especulações sobre o interesse do mercado imobiliário no vasto terreno do hospital e, na contramão, foi elaborado um projeto municipal de tombamento dos prédios históricos do conjunto.
Fontes
ABNRJ: Acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro;
ANRJ: Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
ABF: Acervo Brasiliana Fotográfica;
DP: Foto de Domínio Público
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Flavio Santos

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