Casa Rollas: tudo que você precisa
- Flavio Santos
- 26 de mar.
- 7 min de leitura
“Entra o sujeito no quarto.
O agonizante grita em sua dispneia:
- ‘Eu quero um padre’.
Quando soube que o padre era aquele, teve a sua última indignação terrena:
- ‘Eu disse padre. Quero um padre’.
O outro foi dizendo:
- ‘Escuta aqui. Sou padre. Vim lhe dar a extrema-unção’.
E o moribundo:
- ‘Não há de ser um padre da Casa Rollas que vai me dar extrema-unção."
(Trecho de “Bom dia”, de Nelson Rodrigues. Jornal dos Sports, 1976)

Os irmãos José Maria e Francisco Rollas, portugueses de Figueira da Foz, embarcaram no transatlântico "Gelria", do Lloyd Real Hollandez, rumo ao Rio de Janeiro, em 1914. Na bagagem, José Maria, com seus 19 anos, além dos sonhos de um futuro melhor, trazia uma recomendação do velho capitalista e comendador português Marques Leitão. José Maria começou a trabalhar como entregador na tinturaria Prosperidade, da rua São Clemente, número 41, perto da residência de Rui Barbosa.

Em 1918, depois de muito trabalho e de fazer economias, os irmãos abriram vários negócios na cidade. José Maria fundou a tinturaria A Brasileira, na rua de São Luiz Gonzaga, número 132, com filial na rua Evaristo da Veiga, número 69. Finalmente, no final de dezembro de 1921, no antigo sobrado da Casa Cometa, abriram a Casa Rollas, na rua Senador Dantas, número 75, para a compra de roupas usadas, tinturaria, penhores e antiquário. Dos artigos de luxo ao cacareco, tudo você poderia encontrar naquela “casa de belchior”, para usar o termo da época.

O Rio de Janeiro vivia o status de ser a capital federal. Em 1922, a cidade sediou as festividades do 1.º Centenário da Independência do Brasil, que se arrastaram por um ano. Visitas de dignitários estrangeiros, banquetes, concertos ao ar livre ou o simples passeio pelas alamedas do local da exposição fizeram o lucro das lojas de aluguel de roupas. Para quem queria impressionar, não valia a pena comprar um traje novo para algumas ocasiões formais no ano. Uma roupa alugada por uma noite custava menos de 10% de uma nova.

Elísio Rollas, o irmão mais novo de José Maria e de Francisco, entrou na sociedade em 1926. Cresceu na firma, primeiro foi empregado, depois interessado e, finalmente, sócio do negócio. Nos próximos 60 anos, gerações de cariocas iriam tratar com “Seu Elísio” um traje “quebra-galho”, de última hora. Com pequenos ajustes, lavado a seco e escovado, o traje ganhava um caimento aceitável.

No velho endereço da rua Senador Dantas, na década de 1940, os irmãos Rollas enfrentaram dois incêndios. Os infortúnios coincidiram com dois grandes eventos realizados no Rio naquela década. Em 1942, a III Reunião de Consulta dos Chanceleres das Repúblicas das Américas, conferência importantíssima para a entrada do Brasil ao lado dos Aliados na II Grande Guerra.

Em 1947, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, aconteceu um evento importantíssimo. Foi a Conferência Interamericana para Manutenção da Paz e Segurança do Continente, para assistência de defesa recíproca. Nesse mesmo ano, os fundadores da casa, irmãos mais velhos, desistiram do negócio, passaram a tratar de negócios imobiliários, e Elísio, um escritório de comissões e consignações. Seria o fim da Casa Rollas?


Não, a Casa Rollas ficou fechada por pouco tempo, ainda em 1949 reabriu, mas agora na rua Augusto Severo, 272, com loja e sobreloja. Seu Elísio resolveu voltar, segundo consta, por insistência dos fregueses. Foi em boa hora. A última Copa do Mundo de Futebol foi disputada em 1938. Com a II Grande Guerra, os campeonatos de 1942 e 1946 não puderam ser realizados, por motivos óbvios. A próxima copa seria em 1949, mas os organizadores brasileiros pediram mais um ano para preparação. A Copa foi realizada entre junho e junho de 1950.


Além dos problemas da loja com os incêndios, os ladrões conseguiam vender ou penhorar objetos roubados, que eram confiscados posteriormente pela polícia. Para piorar, tinham que lidar com os “esquecidos”, que levavam a roupa alugada para casa ou para o seu estado de origem. Certa vez, após uma briga de carnaval, “Seu Elísio” teve que resgatar as roupas na delegacia. Em um evento nada carnavalesco, o Rio sediou, em julho de 1955, o 36º Congresso Internacional Eucarístico. A praça do evento foi construída sobre um grande aterro por cima da Baía de Guanabara, dando início ao que seria o futuro parque Eduardo Gomes. O principal dignitário estrangeiro presente foi o enviado do Papa, Dom Bento Aloisi Masella.

A capital do Brasil foi transferida oficialmente do Rio de Janeiro para Brasília em abril de 1960. Obra grandiosa e dispendiosa, a “síntese de todas as metas” do governo Juscelino Kubitschek, a “novacap” foi recebendo vagarosamente os ministérios, embaixadas estrangeiras, iniciando o esvaziamento da antiga “belacap”. No Grande Prêmio Brasil de 1959, no Jockey Clube Brasileiro, o fraque ainda reinava, 159 deles foram alugados. A antiga capital federal ainda veria duas grandes recepções. O Rio recebeu Katharine Lucy Mary Worsley, a Duquesa de Kent e, em 1960, a visita do presidente americano Dwight “Ike” Eisenhower, em fevereiro de 1960. Ike tentava “descongelar” a relação com a América Latina e principalmente com o Brasil, desde que o presidente brasileiro Juscelino Kubitschek rompeu com o Fundo Monetário Internacional, meses antes.





Em maio de 1965, foi a vez do Brasil e do novo Estado da Guanabara receberem o Xá do Irã, Mohammad Reza Pahlavi, numa recepção no Palácio Guanabara para 1.800 convidados e com samba da Acadêmicos do Salgueiro. Os clientes da Casa Rollas encomendaram mais de 200 casacas para a recepção. O último grande evento realizado no Rio foi a XXII Reunião do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, em setembro de 1967, no Museu de Arte Moderna. Foram discutidas a criação dos direitos especiais de saque, a cooperação monetária e a aprovação de financiamentos. Muitas universitárias, uniformizadas com um tailleur azul-turquesa, selecionadas pela Organização Mundial de Recepção, ajudaram a receber os três mil delegados estrangeiros e suas esposas. Digno de nota, no ano seguinte, a Rainha Elizabeth II desembarcou aqui, em novembro de 1968.






Na década de 1970, a moda dos salões oficiais ainda estava um tanto descolada do zeitgeist, enquanto a das festas, casamentos e formaturas abriram espaço para mudanças. Em 1971, o Itamaraty fez a transferência definitiva para Brasília. Elísio Rollas Filho, agora comandando o negócio do pai, tenta abrir uma filial na nova capital. Na posse do presidente Ernesto Geisel, em 1974, foram alugadas sete mil casacas. Novas casas de aluguel de roupas foram abertas, ampliando a concorrência: a Eva’s Moda, a Mira Modas, a Style e a Só A Rigor. Em Brasília, empresários abriram a La Moda, na avenida W-3, quadra 506.



A casa funcionou até meados da década de 1990, no mesmo endereço da rua Augusto Severo, número 272. Francisco Rollas faleceu em junho de 1982. José Maria, em 1988, após ganhar o título de Cidadão Carioca, em 1984. Não identificamos a data exata da morte de “Seu Elísio”, mas provavelmente ocorreu antes de 1987, quando a viúva, Dona Juracy Rollas, ajudava a tocar o negócio. Os agora chamados “megaeventos” só voltariam ao solo carioca na década de 1990, com a III Conferência Mundial das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a ECO-92. Entretanto, os tempos de casaca e cartola já estavam superados.

● ABNRJ: Acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro;
● ANRJ: Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
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Flavio Santos

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