Qual pergunta você faria ao Dr. Google se precisasse escolher um vinho muito rápido? Sabe aquela sensação de ficar em frente à prateleira de vinhos em um supermercado, em uma adega, em um empório? Você observa, observa de novo, pensa um pouco e compra o vinho pelo formato da garrafa ou por algum detalhe do rótulo. Ou usa um critério aleatório para a escolha: vinho com nome de gente, vinho de algum país com o qual você se simpatize, vinho chileno, vinho argentino, vinho francês, vinho italiano, etc. De fato, o universo do vinho é vasto e há muita gente que gostaria de saber que vinho combina com qual prato. Como harmonizar vinho com comida. Qual prato harmoniza com vinho tinto? Qual prato combina com vinho seco?

Se você tem esse tipo de dúvida, neste texto vamos sanar parte de suas dúvidas ou quem sabe aumentá-las.
Eu se pudesse viveria à base de vinho, mas vinho não é água, ele é complexo. A água é a base da vida, talvez o produto mais fácil de vender também, por enquanto ainda existe água em abundância. Quando temos sede, no ato nosso corpo pede: água! As outras escolhas passam por sucos, refrigerantes, água aromatizada, mas só a água mata a sede.
A escolha de um vinho poderia ser fácil, mas a diversidade de sabores, aromas e sensações que o vinho nos proporciona torna o processo de escolha um tanto complexo. Observando como tem funcionado a escolha de uma garrafa de vinho, temos alguns elementos para poder identificar as necessidades e pretensões das pessoas. Uma delas é a necessidade de harmonizar com alguns pratos.
Confira 7 dicas para harmonizar vinho com comida:
Peixe, frutos do mar, ave e pratos leves - Vinho Branco
Carnes vermelhas e pratos mais pesados - Vinho Tinto
Requintados (caviar, lagosta, escargot) e crus - Espumante
Sobremesas - Espumante Doce ou Vinho Doce Licoroso
Charutos – Fortificados (exemplo: vinho do porto) ou Vinhos de Meditação
Charcutaria (salames, defumados, patês) - Vinhos Rosé
Orientais e aperitivos - Vinho Rosé
Existem outras regras também, que consistem em combinar o sabor. Concordância e contraposição.
Concordância: quando o vinho tem as mesmas características do prato, por exemplo: se vai limão no tempero, o vinho que concorda é o branco jovem, pois a acidez do prato vai concordar com a acidez do vinho
Contraposição: o vinho tem uma característica oposta, por exemplo: um prato à base de carne ensopada se adequa a um vinho *tânico e mais alcoólico, pois o tanino bloqueia a salivação, ajudando a “enxugar” a boca.
* tânico corresponde a uma sensação de comer um caqui ou banana verde, a boca parece que cria uma película (diz-se que a boca fica amarada), mas logo se dissolve com a salivação.
Essa é a verdadeira loucura que é escolher um vinho, a equação vai aumentando até que é melhor desistir e partir para a cerveja, mas o convidado é uma pessoa a ser honrada na mesa e então pedimos permissão aos deuses e voltamos ao limbo enológico.
Vinho Branco versus Vinho Tinto
Fui convidado para um jantar com meus colegas sommeliers em Ancona, na região central da Itália, e ofereceram um prato histórico da cidade: Stoccafisso all’Anconetana, feito com base no peixe seco dos mares do norte. A diferença entre o Bacalhau e o Stoccafisso está no modo de secar os peixes, o Bacalhau é seco sal e o Stoccafisso é seco ao vento.
Um momento antes do jantar um professor sommelier nos contou a história do prato, em que marinheiros italianos que fizeram uma viagem à Noruega e foram pagos pelo serviço pelos noruegueses com o peixe pelos noruegueses, ao levarem os peixes secos para Ancona descobriram essa maneira “italianizada” de preparo e entrou para a história. Até aí tudo bem, o problema é que a tradição desse prato propõe que ele seja acompanhado com vinho tinto. Então com todos à mesa começa o debate, tinto com peixe é blasfêmia, e outros diziam blasfêmia é tocar num prato e sua harmonização histórica que é vinho tinto. Sei que antes de tocar naquele perfumadíssimo prato, da cozinha exalavam aqueles sonhados aromas, a discussão era bastante intensa entre os adeptos do tinto e os adeptos do branco. Uma imagem teatral, italianos que não falam baixo por nada no mundo, com as mãos sempre ao ar e nunca paradas enquanto falam, e até mesmo quando não falam eles mexem as mãos como se dissessem que estão entendendo ou discordando.
Os assuntos sobre acidez, gordura do peixe, método de cozimento, se o peixe foi hidratado com água fria ou morna, os temperos usados, tudo servia para defender uma ou a outra tese, e até mesmo alguns momentos de ofensas pessoais, nada sério.
Aquilo se arrastava por uns quinze minutos, os ânimos foram se acalmando. Chega o tal prato. Antes de servirem, as chefes de cozinha começaram a retirar pedras daquela panela grande e alta, foram retirando uma a uma, cerca de quinze pedras de bom tamanho, as pedras na panela têm a função de não deixar o peixe nem os temperos grudarem no fundo, à medida que a água vai fervilhando as pedras se movem de lugar movimentando suavemente aquele cozido.
Com os pratos todos servidos e o vinho tinto nas taças, assim que começamos a comer, recomeça a infinita discussão: vinho tinto com peixe? Pratos vazios, noite terminada, pergunto ao proprietário o que ele achou daquela noite confusa e de tanta discussão. Momento mágico, recebo a resposta dele, que com um sorriso no rosto, olhar de felicidade, exprimia uma satisfação impressionante, ele disse: “a tradição está mantida, pois a discussão será sempre o alimento principal destas noites. Eu tinha achado que o prato principal era o Stoccafisso All’Anconetana, mas na verdade era o treinamento para sommeliers saberem defender seus pontos de vista.” Entendendo isso posso dizer que até o fato de uma harmonização incorreta pode ser um prazer e um aprendizado. Ah, o que eu achei da harmonização? Horrível, peixe com tinto não vai bem.

Revista do Villa | Evandro Martini
Boa matéria, obrigado pelos esclarecimentos!
Belo debate, e a mais sincera conclusão.