Reflexões II - O espaço é infinito
- Susi Cantarino

- 29 de out.
- 4 min de leitura


Einstein lembrava que “o espaço e o tempo são modos pelos quais pensamos, não condições nas quais vivemos”. Talvez por isso o espaço entre as pessoas diga tanto sobre o que somos. No universo, tudo se expande: galáxias se afastam, estrelas nascem e morrem, e a luz viaja incansável. Também nós, em nossas pequenas órbitas humanas, oscilamos entre o desejo de aproximar e o medo de perder o próprio eixo.
O brasileiro, por exemplo, nasceu com o dom da aproximação. Encosta o ombro, o braço, o riso. Gosta de sentir o outro perto, talvez porque aprendeu, desde cedo, que calor humano é mais confiável que previsão do tempo. Na fila do banco, puxa conversa; no bar, divide o petisco; na praia, arma a barraca a vinte centímetros da sua — e ainda pergunta se quer uma cerveja. É o afeto que transborda, feito maré.
Do outro lado do mundo, o japonês vive o oposto. Fala baixo, respeita o espaço, mede as palavras e as distâncias. Não é frieza — é respeito. Como quem entende que o silêncio também é forma de convivência. Enquanto nós achamos que estar junto é misturar, eles parecem saber que estar junto também pode ser deixar o outro respirar.
E entre um extremo e outro, o planeta vai girando. Uns se tocam para se entender, outros se afastam para se compreender. No fundo, todos buscamos o mesmo: um jeito de caber no mundo — e no coração dos outros — sem invadir demais, sem ficar de fora.
Talvez o segredo esteja aí: saber quando é hora de se aproximar e quando é hora de dar espaço. O universo, afinal, também se expande e se contrai. E nós, pequenos cosmos de carne e emoção, fazemos o mesmo — à nossa maneira, no nosso ritmo, no nosso idioma de abraços e silêncios.
No Brasil, o ritual do encontro é quase uma dança: um beijo, dois, às vezes três, um abraço que dura um segundo a mais do que o necessário. É um afeto que se mede em centímetros. Na mesa, os pratos se misturam, os copos se confundem, e o calor humano é tempero.
Falar alto, aqui, tornou-se hábito — às vezes por alegria, às vezes por descuido. Talvez porque confundamos presença com volume. Queremos tanto ser ouvidos que esquecemos de escutar. E o silêncio, esse gesto de atenção, vai ficando raro como sombra ao meio-dia.Mas ele existe — e quando é verdadeiro, o silêncio também pode ser ouvido.
Saint-Exupéry, em O Pequeno Príncipe, sussurrou que “o essencial é invisível aos olhos.” O espaço entre nós é exatamente esse invisível essencial — o intervalo onde cabem o respeito, a delicadeza e a escuta.
Na praia, por exemplo, as barracas se encostam, as conversas se misturam, a bola de frescobol passa cruzando entre toalhas e risadas. O cheiro do protetor solar se mistura ao do milho verde e da maresia. Um desconhecido oferece uma cadeira, outro compartilha o guarda-sol. A areia parece território coletivo, e o mar, um convite para se pertencer.
Do outro lado do mundo, nas praias do Japão, o cenário é outro. As famílias se organizam em pequenos círculos, discretos, respeitando o espaço do vento. Há silêncio entre as ondas, e até o mar parece falar baixo. Ninguém invade o território alheio — não por frieza, mas por respeito. O espaço é uma forma de gentileza.
E, sobre as saudações, Na Índia, o gesto de juntar as mãos em prece, o namastê, é o reconhecimento da divindade no outro. Não há toque, mas há presença. É como dizer: “vejo você”, sem precisar provar com a pele.
Na França, um beijo rápido em cada bochecha, como na minha terra natal, Argentina. Na Itália, o abraço é teatral, cheio de gestos, como se o corpo inteiro participasse da conversa. Na Rússia, o aperto de mão é firme — porque confiança se demonstra na força. Nos países nórdicos, o cumprimento é breve, o espaço respeitado, mas o olhar sincero: afeto contido, não ausente.
O curioso é que todos esses rituais falam da mesma coisa: o desejo humano de se conectar. Uns o fazem pela distância, outros pela proximidade. É uma questão de temperatura emocional — uns vivem sob o sol, outros sob a neve.
Talvez seja isso: o espaço entre as pessoas é como o clima. Onde falta calor, procura-se abrigo. Onde sobra calor, busca-se sombra. E, em algum ponto do planeta, sempre há alguém estendendo a mão — seja para abraçar, para reverenciar, ou apenas para deixar o outro passar.
Mas, apesar de todos esses costumes, somos humanos antes de sermos culturais. Cada pessoa carrega seu próprio mapa de distâncias. No Brasil, há quem prefira o sossego, o canto silencioso do próprio espaço. E no Japão, há quem busque o calor de uma mesa cheia e de vozes misturadas.
Fernando Pessoa, por sua vez, dizia que “viver é ser outro.” Talvez por isso precisemos tanto do espaço: ele é o intervalo onde o outro pode existir sem ser engolido pelo nosso barulho, e onde nós também podemos respirar.
Porque no fim, o verdadeiro ritual é esse: o de existir junto, cada um com seu modo de ocupar o mundo!

Susi Sielski Cantarino
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Susi Sielski Cantarino
Artista visual, produtora, diretora da Galeria Metara

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