Quantas ‘Camilles’ Há em Nós?
- Noélli Santiágo
- 24 de abr.
- 3 min de leitura
Visitando Camille Claudel
Por Noélli Santiágo

A peça em cartaz no Rio de Janeiro, na Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema, fala de uma mulher que viveu há mais de um século, mas poderia ser qualquer uma de nós — ou TODAS nós.
A história de Camille Claudel, artista transgressora que desafiou os limites impostos pela sociedade de sua época, ressoa no agora. Camilles existem em diferentes formas e fases, dentro de cada uma de nós, refletindo o que há de mais profundo e transformador — e também o que ainda não conseguimos olhar.
Ainda hoje, seguimos lutando. O enfrentamento das adversidades internas e externas ecoa como um ciclo que insiste em se repetir. A história de Camille não nos entrega uma fórmula ou resposta sobre o que foi ou poderia ter sido. Ela não fala apenas de injustiça, machismo estrutural ou da pureza — quase ingênua — de uma alma artística. Ela nos convoca a refletir sobre o que ainda não curamos e o quanto seguimos nos distanciando de nós mesmas em nossas próprias narrativas, tentando encontrar um lugar no mundo.
Em uma sociedade que ainda nos exige padrões rígidos e performance ininterrupta, Camille se torna metáfora. Não pela tragédia que lhe foi imposta, mas pela coragem de ser, de transgredir, de continuar. Sua história não é apenas sobre isolamento ou rejeição. É sobre o não-enquadramento, o não-submeter-se aos moldes, sobre a busca por liberdade interna — tantas vezes abafada por medos, inseguranças e condicionamentos sociais.
Qual é a nossa Camille interior?
O que ainda carregamos de camadas que não conseguimos liberar? O que empurramos para o futuro, esperando que as condições externas se alinhem? Quantas vezes acreditamos mais nas nossas ilusões do que nas evidências? A transformação começa dentro de nós. Quantas vezes nos isolamos em nossos próprios mundos, deixando de realizar o que nos chama, por temer que o mundo não nos aceite?
Talvez o maior presente de Camille seja o convite para olhar para dentro — e para o agora. Sem esperar por condições perfeitas, nem por validações que só existem para manter-nos prisioneiras de histórias antigas. A peça Visitando Camille Claudel não fala apenas de um passado distante. Ela é um espelho de um presente urgente. Um lembrete de que autenticidade vale mais do que reconhecimento. Que a conexão com a nossa essência é mais poderosa do que qualquer status.
Camille vive em nós como um reflexo do que somos capazes de ser — e do que ainda podemos libertar.
Essa peça não trata apenas do que foi vivido, mas do que está sendo vivido agora. Ela nos chama a refletir sobre como nossas bandeiras — sejam ideológicas, de classe ou de gênero — ainda nos separam. À medida que nos encaixamos em padrões, criamos mais barreiras. Mais segregações. Mais distâncias. Um século se passou e ainda travamos batalhas parecidas. Ainda lutamos guerras que nos fazem caminhar em círculos.
Afinal, o que esquecemos no caminho? Que, antes de tudo, somos humanos. Somos alma. Somos presença.
A verdadeira transformação começa quando ousamos transitar para além desses muros e buscar o que nos une. É preciso coragem para sair do ciclo. Para olhar para dentro. Para permitir que o mundo seja transformado a partir do que somos, do que estamos nos tornando — e do que estamos dispostos a deixar morrer.
Camille Claudel não é só uma mulher do passado. Ela é a transgressora que vive em cada uma de nós. A que desafia as normas, os apegos, as limitações herdadas. O que ela nos pede, mais do que tudo, é:
O que estamos esperando para SER? Para nos libertar? Para fazer o que já sabemos?
O quanto ainda estamos presos à espera de algo ou alguém, em vez de confiarmos no que já pulsa dentro de nós?
A peça é mais do que teatro. É um lembrete. Um chamado para quebrar moldes, soltar camadas, desfazer prisões internas. Para lembrar que o tempo da espera acabou.
Camille Claudel teve sua obra apagada por décadas e só muito tempo depois foi reconhecida como uma das escultoras mais importantes de sua geração. Mas a grande questão não é apenas o que o mundo não viu nela — é o que nós ainda não conseguimos ver em nós.
“Quantas Camilles há em mim?”
Essa é a pergunta que precisamos responder.
E não amanhã. Não quando for seguro. Agora.
Porque a mudança que procuramos sempre esteve aqui — e começa no exato momento em que decidimos parar de sobreviver…
Noélli Santiágo

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