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Revista do Villa

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Os segredos da degustação de vinho

Atualizado: 27 de out.

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Fui convidado para uma degustação em uma adega, por sinal era a única da pequena cidade italiana onde vivi por anos Então, decidi fazer companhia a um amigo que não era acostumado com esses eventos, um parceiro habitual de conversas regadas a vinho na minha ou na sua casa. A degustação era de vinhos ofertados pela adega e de um produtor do Vêneto que apresentaria seu produto premiado.

 

Chegamos ao local, logo na entrada, uma mesa com as garrafas das bebidas que seriam degustadas: um decânter já com vinho, um balde de gelo para os vinhos brancos e o espumante, além garrafas de vinhos tintos já abertas, cada uma com as respectivas rolhas ao lado.

 

Uma mesa grande de 12 posições preparadas, uma folha de papel para apoiar as seis taças em cada posto.

 

Eu já experiente nas degustações, elogiei a organização e a delicadeza nos detalhes. Mas meu colega Hernandez, tomou um susto. Como ele nunca tinha participado de uma degustação dessa maneira, achou muito complicado, quase querendo desistir. Mas com um pouco de conversa eu o persuadi a participar.

 

Hernandez é um sujeito bom de conversa, chileno que mora na Itália há mais de 10 anos, tem um sotaque carregado de espanhol, se no Brasil temos o portunhol, na Itália tem o “italianolo”. 

 

Nos assentamos, para iniciar a noite. Ofereceram um espumante local, método charmat, ótimo para limpar a boca e provocar as papilas gustativas, serviram na mesma taça de bojo normal que seriam servidos os outros vinhos. 

 

Neste momento fui ajudar meu amigo Hernandez, explicando para ele o que aconteceria naquela degustação guiada. O vinho espumante no início serve próprio para limpar as papilas, equalizando a receptividade de todos, deixando-nos com o mesmo sabor inicial na boca. Parece besteira, né? Mas pense se cada um tivesse mascando um chiclete de sabor diferente e desta maneira fosse iniciada uma degustação, cada pessoa começaria com uma percepção diferente do mesmo vinho.

 

Quanto todos se acomodaram, o proprietário deu as boas-vindas a todos e começamos as degustações. 

Primeiro um vinho branco que veio da região nordeste da Itália, era um Soave, produzido com uvas Garganega (na pronúncia italiana – lê-se “gargânega”), (não confundir com os vinhos adoçados de mesa brasileiros que a escrita é ‘suave’), fresco e jovial.

 

Como era uma degustação demonstrativa, não competitiva ou avaliativa, no serviço de todos os vinhos foram usados os mesmos modelos de taça, não estávamos ali para avaliar o vinho, somente para conhecer novos produtos. Hernandez me perguntou se aquele vinho era bom? Eu respondi que era um vinho honesto, com todas as características que deveria ter.

 

Mas ele comentou que achou meio fraco de gosto, neste momento tive que explicar que aquela região se propunha a fazer vinhos brancos mais leves, fáceis de beber, vinhos que vão muito bem com aperitivos sem grandes complexidades gastronômicas. No Brasil chamamos de vinhos de entrada, em que o foco principal não é assustar ninguém com notas aromáticas ou sabores específicos. Por sinal a nossa mesa tinha um cesto de pães e óleo de oliva extravirgem, era o que bastava para acompanhar a taça.

 

O HÁBITO DE GIRAR A TAÇA DE VINHO

 

Continuando... devo comentar que nos ensinaram sobre girar as taças, cada um girava de um jeito, os iniciantes com menos destreza e os mais habituados já sabiam faze o movimento da taça sem problemas.  Ao abrir o vinho, é importante fazê-lo girar na taça para que os aromas sejam perceptíveis, “saiam” mais facilmente.

 

Como segundo vinho, foi proposto outro branco bem mais saboroso, um Verdicchio dei Castelli di Jesi, um vinho mais forte, tanto na graduação alcoólica quanto na cor. Se o primeiro era um amarelo esverdeado bem fraco, este segundo era um amarelo palha com reflexos dourados. Esse o Hernandez gostou, pois tinha seus 13,5 volume de álcool, era mais presente na boca, seu comentário foi que esse iria bem com um peixe ou frutos do mar. Acertou em cheio!

 

A intuição nos leva a fazer as melhores harmonizações, o vinho proposto era um Reserva, isto é, para ter esse nome na etiqueta é usual que o vinho deva descansar alguns anos, este por sinal tinha passado 8 meses em barris de carvalho, por isso a cor mais forte. O tempo faz com que os vinhos brancos oxidem alguns elementos minerais que o constituem tornando essas tonalidades mais visíveis. 

 

Neste clima relaxado, algum dos participantes comentou que se deixasse aquele vinho por quinze anos ele se tornaria um vinho tinto. Todos riram, foi divertido. O sommelier que guiava a degustação, aproveitou o gancho e perguntou quem deixaria uma garrafa desta qualidade parada por quinze anos? Assim resolvemos o questionamento do colega no evento. Todos falaram que era impossível. Alguém falou em ser uma tortura manter essa qualidade presa na garrafa, enfatizou que devíamos abri-la. 

 

O clima social numa degustação de vinho tem esse aspecto de leveza, camaradagem e simpatia. Ninguém é obrigado a ficar sisudo para beber vinho, afinal ele chegou até nossos dias porque os mais diversos povos o prepararam para festas e cerimônias de alegria. Acompanhou este vinho uma salada de frutos do mar, que foi colocada sobre o pão que já estava à mesa.

 

Observar a cor do vinho, inclinar a taça a 45 graus, ver as cores e dar um nome para aquela cor que você mais ou menos conhece. Existem várias tabelas para saber nomear as cores do vinho, normalmente se fala sobre a cor principal e alguns reflexos que possua, exemplo: amarelo palha com tons esverdeados. A cor pode falar sobre a idade do vinho, os brancos tendem ao ouro à medida que passam os anos; os tintos ganham cores de tons marrons, granados e uma certa transformação nos álcoois, formando um anel incolor próximo à taça, isto indica que o vinho esperou anos para exprimir sua alma.

 

O terceiro foi um rosé, ligeiramente frisante, uma certa alegria na boca, fresco como um vinho branco e com certos sabores de vinho tinto, esse lembrava algumas frutas como cereja fresca, amora e framboesa, servido com coquetel em que havia camarão. Vale lembrar que não era um jantar, as porções bastavam para aquele cálice de vinho. Acho que Hernandez entendeu o que é harmonização entre vinho e alimento.

 

Em certo momento ele me falou que o camarão ficou mais gostoso depois de beber o vinho. Isso mesmo, Hernandez, nós que somos profissionais da degustação experimentamos vários itens que não harmonizam, escondem os sabores dos pratos, deixam a boca tóxica,  emplacam as papilas, e outros absurdos que fazemos para entender o que vai bem ou não, e tudo isso para que os clientes possam ter o prazer de saborear nossos acertos já na primeira escolha. Por sinal era um vinho da região da Emilia Romagna, eles são famosos pelos vinhos Lambrusco, que há alguns anos tem feito muito sucesso no Brasil.

 

Neste ponto daquela experiência, os participantes já tinham feito algum tipo de contato entre eles ou com os responsáveis pela degustação, naquele dia eu estava junto, já fiz tantas degustações e apresentações de vinho que esqueço que eu também gosto de ir a eventos informais, pois aprendo com as reações quando se trata de falar sobre o que a pessoa está sentindo a respeito dos sabores e aromas ali disponibilizados.

 

O assunto entre os apreciadores é sempre de partida do gosto pessoal, uns gostam mais do vinho branco, outros querem mais um pouco do espumante do início, e tem aqueles que querem mais camarões. Enfim, um ambiente de trocas e espontaneidade, pelo menos é o que espera o organizador da degustação, quanto mais sinceros os comentários, mais o sommelier terá possibilidade de formular uma ideia real sobre o produto.

 

O quarto vinho, um tinto da Toscana, um Chianti. A escala é sempre igual, dos brancos para os tintos, dos mais frescos para os mais encorpados. O Chianti apresentado era um bom vinho, no meu modo de pensar pouco surpreendente, bastante básico, mas de ótima qualidade, cumpre bem o seu papel de vinho discreto, mas não banal, combinou bem com o patê de azeitonas pretas que foi servido para harmonizar.

 

Claro que Hernandez soltou a gafe de falar que já havia tomado vinho melhor, mas eu contornei com uma máxima: “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Alguns riram do comentário dele, houve quem torceu o nariz pela falta de noção, mas tudo bem, neste ponto já éramos como uma comunidade com suas previsíveis complicações.

 

Interessante foi o sommelier, que aproveitando o infeliz comentário do Hernandez, acrescentou que ele já tinha participado de degustações do Sassicaia em vertical. Deixe-me explicar um pouquinho. O Sassicaia é um dos vinhos mais caros e importantes da Itália, faz história pela crescente qualidade dos produtores em usar uvas francesas na Toscana. Os produtores fizeram a leitura do terroir de onde as parreiras estavam, produzindo excelentes garrafas, que com o tempo ganharam valor. A degustação vertical significa que foi houve degustação de garrafas de vinho de várias safras, por exemplo: fazer a degustação do Sassicaia 2010, 2011, 2015, 2018 e 2021, e comparar a evolução do conteúdo dessas garrafas pelo tempo. 

 

Neste ponto da degustação, fiz uma pequena correção para apoiar meu amigo, pois ele estava pegando a taça pelo bojo, aquela parte onde vai o vinho. Mostrei que ele tinha marcado a taça, pois serviram junto com o Chianti alguns salames e presuntos, isto fez com que a taça ficasse marcada pela gordura dos alimentos. Obviamente que numa degustação sem o compromisso de avaliar não é nenhum pecado, mas dava para ver quem tinha delicadeza de segurar pela haste da taça e quem não o fazia, as taças limpas e as taças engorduradas.

 

Chegando o quinto vinho, o aroma podia ser percebido na sala, o sommelier agitou o decânter, o ambiente começou a ser envolvido pelo aroma do vinho, algo como cereja em conserva e geleia de frutas vermelhas. A cada taça preenchida, se notava que a aventura ficava séria. Após a apresentação feita pelo produtor que oferecia o vinho Amarone, todos estavam cheirando a taça, uma riqueza de sentimentos. Eu considero a experiência de degustar um vinho algo que não é a taça que propõe, e sim até o ponto em que o degustador chega.

 

Várias notas são percebidas pelo olfato e desafiam o cérebro a resolver o enigma. Como num jogo de sortilégio, começamos a decifrar os aromas, elaborando descrições longas para vinhos importantes. Enfim, depois de muitas palavras e ideias, degustamos um gole — e a volta é silenciosa: busca nas profundezas da memória, sensações numeradas e nomeadas. É um exercício interno; não é fácil olhar para si e encontrar um nome para aquilo que se sente. O ponto de referência é você mesmo, seu próprio algoritmo. Aos poucos, transformamos a experiência gustativa em palavras: fruta vermelha bem madura, taninos amaciados, longo na boca. O resto é sua experiência que reconhece os sabores presentes — amanteigado, baunilha, chocolate amargo, café, retrogosto marcante, amargo e doce ao mesmo tempo — complexo.


Interessante era o rosto do Hernandez, sério, como se tivéssemos descoberto algum segredo importante e pecaminoso dele. Bebia e olhava dentro do cálice como se esperasse uma resposta que nunca viria. Perguntei o que achara. Ele respondeu devagar, meio inseguro:— Um vinho pode ser bom assim? Isto é uma maravilha.O sotaque espanhol tornou a frase ainda mais divertida.


Depois, foi servida uma carne ao molho — chamam de stracotto —, que havia passado muitas horas cozinhando. O molho denso e saboroso caiu como uma luva com o Amarone.


Vieram então muitas perguntas ao proprietário do vinho, que explicou as diversas etapas necessárias para se obter aquele legítimo néctar dos deuses. Deixo a você a curiosidade de pesquisar sobre a produção do Amarone.


Naquele momento, éramos uma mesa de amigos de longa data, embora recém-conhecidos. Sabíamos os segredos daquela hora e meia de convivência. Conversamos tanto que o sommelier precisou pedir que diminuíssemos o tom, pois ele iria apresentar o último vinho da noite: um Passito de Pantelleria.


Os vinhos passitos são especiais. Feitos com uvas que passam por um processo natural de secagem, resultam em um vinho doce, ideal para sobremesas — e, por sinal, acompanhou perfeitamente a torta de creme que nos foi servida.


Conversava com uma convidada que dizia não gostar de vinhos doces, por invadirem o sabor das sobremesas. Discutimos então sobre como harmonizar um vinho doce: realmente, o passito traz esse desafio — se a sobremesa for muito delicada, o vinho a sobrepõe; se for intensa demais, o vinho pode parecer apagado.


Após a sobremesa, veio a despedida. Saudamos os presentes e combinamos uma nova degustação. Ao caminharmos até o carro, Hernandez me mostrou o que havia feito: estava com uma garrafa do Amarone. Contou que pedira ao sommelier o restante que sobrara no decânter — devolveram à garrafa e a deram a ele.Chamei-o de pão-duro e perguntei, divertido, por que não comprara uma.Ele respondeu, desanimado:— Poderia comprar?Claro que podia — eles estavam ali para apresentar e vender.


Num ímpeto que me surpreendeu, Hernandez voltou correndo à adega e comprou duas garrafas de Amarone.

Recomendo a todos participarem regularmente de degustações. Boas conversas podem se transformar em grandes amizades.


Crédito imagem:

@Creative Commons/Stefan Krause, Germany


Evandro Martini



 
 
 

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