O Bruxo dos Sons: A Trajetória de Hermeto Pascoal
- Gilson Romanelli

- 17 de set.
- 3 min de leitura
Em 13 de setembro de 2025, a música brasileira e mundial perdeu um de seus mais geniais e revolucionários talentos: Hermeto Pascoal, o "Bruxo dos Sons", que nos deixou aos 89 anos. Sua morte, um luto para a cultura, marca o fim de uma era de experimentação e inovação que transcendeu gêneros e definiu um novo caminho para a expressão musical.
As Raízes de um Gênio
Hermeto nasceu em Lagoa da Canoa, no interior de Alagoas, em 22 de junho de 1936. Albino e com dificuldades de visão, ele não podia trabalhar na roça, o que acabou por canalizar sua energia e curiosidade para o mundo dos sons. Sua infância foi imersa na natureza, e foi ali, entre os sons dos animais e o murmúrio da água, que ele descobriu sua primeira orquestra. Com pífanos feitos de canos de mamona, ele tocava para os pássaros, e com a água das lagoas, criava melodias borbulhantes. Até mesmo os restos de metal do avô ferreiro se transformavam em instrumentos. Sua musicalidade era inata, autodidata e, acima de tudo, universal.
Aos sete anos, ele se apegou ao acordeão de oito baixos do pai e, ao lado do irmão José Neto, começou a tocar em forrós e festas de casamento. Aos 14, já no Recife, sua destreza na sanfona o levou para o rádio, onde fez amizade com o também sanfoneiro Sivuca. Sua carreira seguiu com a entrada na lendária Orquestra Tabajara, em João Pessoa, aprofundando sua formação musical e o preparando para o que viria a seguir.
O Bruxo e a Revolução Sonora
Apelidado de "O Bruxo" por sua abordagem mística e mágica da música, Hermeto não se limitava a instrumentos convencionais. Ele enxergava e ouvia música em tudo: bules de chá, brinquedos de criança, talheres, e até em sons da natureza, como o coaxar de sapos, o grunhido de porcos ou o canto dos pássaros. Para ele, o som era a essência, e o objeto que o produzia era apenas um meio. Sua famosa performance de "Música da Lagoa", onde ele e seus músicos tocavam flautas imersos na água, é o exemplo perfeito de como ele unia o ser humano, a natureza e a música em uma única e extraordinária experiência.
Essa mentalidade o levou a uma colaboração internacional icônica, especialmente com o lendário trompetista de jazz Miles Davis, que se encantou com a originalidade do brasileiro. A participação de Hermeto no álbum Live-Evil (1971) de Davis foi um marco, consolidando sua reputação global e provando que seu talento estava muito além das fronteiras brasileiras. Diz a lenda que Miles, impressionado, afirmou que se pudesse reencarnar, gostaria de voltar à Terra como "aquele albino louco".
O Legado de Uma Vida Dedicada à Música
A contribuição de Hermeto Pascoal para a música é vasta e incalculável. Ele foi um compositor, arranjador e produtor musical que uniu de forma única o forró e o baião do interior do Brasil com a complexidade do jazz e da música clássica. Sua obra é um convite constante à liberdade e à improvisação, desafiando a música a ser algo vivo e em constante evolução.
Sua discografia é um testamento de sua genialidade. Em 2010, lançou o CD Bodas de Latão, em duo com sua parceira Aline Morena, uma celebração de sua união na vida e na música. Em 2017, brindou o público com dois álbuns duplos, No Mundo dos Sons e Natureza Universal, mostrando que sua criatividade continuava efervescente. E seu último grande reconhecimento veio em 2024, com o Grammy Latino de Melhor Álbum de Jazz por Pra Você, Ilza.
Hermeto Pascoal nos deixou um legado que vai muito além das notas musicais. Ele nos ensinou que a música está em toda parte, basta ter ouvidos para ouvi-la. Que a improvisação é a alma da criatividade e que a colaboração, seja com um grupo, uma big band, uma orquestra sinfônica ou com a própria natureza, é a chave para a criação de algo verdadeiramente único. Sua música, que ele mesmo chamava de "música universal", continuará a inspirar gerações, mostrando que a verdadeira arte não tem limites nem rótulos, apenas a liberdade de ser.
Que Hermeto Pascoal possa através de seu legado continuar a influenciar novos artistas a explorarem sons de forma tão livre e original.
Gilson Romanelli






































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