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Revista do Villa

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O Agente Secreto

O Agente Secreto sob a luz que não aponta o caminho 

Por Cláudia Felício (roteirista, autora best-seller e crítica especializada em cinema)


O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, é um filme que trabalha a memória como quem volta pra casa sabendo que não vai encontrar tudo no mesmo lugar. Wagner Moura interpreta um homem que retorna ao Recife dos anos 70 e encontra uma cidade que parece igual, mas já foi rearrumada pelo medo. É ditadura, sim. Mas não aquela de livro de história, não. É a ditadura do dia a dia, do bar da esquina, da conversa, da janela entreaberta. Tem uma estética neo noir, um cheiro de rua que faz do filme único.


O longa não corre, e escolhi a palavra “longa” de propósito: são 2:40 minutos. É um ritmo bom para mostrar com calma tudo o que estava acontecendo naquele universo. Ele pede silêncio para escutar o que não é dito, por exemplo, quando a moça na repartição diz orgulhosa: “meu cargo é comissionado”, traduzido: “tenho que ficar calada para não perder este cargo”. A polícia é corrupta, torturadora. A ditadura militar no Brasil aparece mas o faz de modo indireto, no detalhe do “passeio” de prisioneiros camburão, por exemplo. 


Wagner Moura faz Armando/Marcelo, é um fenômeno. É uma atuação digna de Oscar: contida, física, mas o que mais me impressionou não foram os gestos, foi o silêncio. 


Ele faz um protagonista cansado, que carrega um mundo dentro. 


O objetivo não é fazer de Armando o herói do filme; ele é só um brasileiro tentando sobreviver a um país que insiste em apagar suas próprias cicatrizes. E é justamente onde o filme ganha força: no detalhe. Porque Kleber Mendonça Filho faz bonito e filma Recife como quem conhece cada esquina, cada boteco. 


A cidade não é cenário, é personagem. A cena que Armando olha pela janela e vê um rio com uma ponte mostra um lugar belíssimo. Kleber Mendonça só reafirma sua paixão por sua cidade, com razão. 


A direção de arte é do Thales Junqueira, que realiza uma reconstrução histórica perfeita do Recife de 1977. Uma cena que me chamou atenção foi a do aeroporto quando vemos placas das extintas Transbrasil, Varig, Vasp… Nas ruas, vemos muitas marcas da época como a Kodak, que hoje nem sei se existe mais.


Reconheci, inclusive, vários móveis da minha casa nos anos 70. Thales recria a estética dessa época com textura, desgaste no letreiro da rua, no jornal dobrado como o meu pai dobrava habilmente na barca Rio-Niterói indo para o trabalho, memória de afeto.


Aliás, o que faz a diferença no filme são as pessoas que circulam ao redor. Têm as pessoas do prédio, dona Sebastiana, interpretada por Tânia Maria, uma senhorinha tão fofa e tão forte ao mesmo tempo; têm os sogros que criam o neto. Vale destacar o casal de refugiados angolanos. Eles não estão ali para explicar nada. Não são “enfeite político” nem discurso pronto; eles existem. Comem, caminham, riem com os amigos, trabalham, sonham no meio de um país que também está tentando se entender. Essa presença desloca tudo porque revela uma outra camada: eles também sofreram perseguição nos anos 70. E também mostra que o Brasil não é feito só de quem nasceu aqui, é feito de quem chega, de quem foi arrancado de outro lugar, tema bem em dia.


A fábula política entra por baixo da pele. Não tem um grande discurso no final, tipo “moral da história”. Não tem redenção fácil.


O filme termina como a vida brasileira costuma terminar: com a sensação de que a história passou e foi a gente que ficou segurando o peso dela na mão. É cinema que não entrega solução, entrega camada. É política misturada com  intimidade para quem viveu o final dos anos 70, ainda que criança.


“Agente Secreto” mostra o puro suco de Brasil: bonito, cheio de mazelas e com uma História dos Anos de Ferro que jamais pode ser esquecida.


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Cláudia Felício

 
 
 

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