“Me Dê Liberdade ou Me Dê a Morte”
- Alex Gonçalves Varela

- 21 de ago.
- 3 min de leitura
Estreou a peça teatral Vou Fazer de Mim Um Mundo no teatro do CCBB-RIO 1.

O espetáculo é um monólogo protagonizado pela atriz Zezé Mota.
A peça é uma adaptação do livro “Eu sei porque o pássaro canta na gaiola”, de Maya Angelou, com dramaturgia e direção de Elissandro de Aquino.
O texto é anti-racista, anti-segregacionista, poético, sensível, emocionante, feminino, resistência, ancestral, denunciador, crítico, e histórico. A dramaturgia denuncia a truculência contra as mulheres e crianças, o racismo estruturante, e o patriarcado, herança de uma instituição que se fez presente no Brasil e nos EUA: a escravidão.
A atriz Zezé Mota tem uma atuação de alta qualidade. Ela é a narradora do livro cujas páginas contêm os fatos da vida de Maya Angelou. A narrativa é realizada em primeira pessoa, e se apresenta estruturada em doze cenas. A história é penosa, árdua e complexa, apresentando os aspectos de dor, segregação, preconceitos, racismos e violência sexual que aquela mulher sofreu quando ainda era criança, fora os problemas de aceitação. Ainda que dura, ela superou as adversidades e se tornou uma das mais notáveis escritoras.
A narradora está sentada no centro do palco numa cadeira sobre um platô, onde fica o tempo integral. Ela nos apresenta a vida de Maya, sua família, suas vivencias, seu quotidiano, entre outros assuntos. Nessa narrativa, a experiência de vida da narrada se cruza com a da narradora, também uma mulher preta engajada na luta por espaço, expressão e oportunidades.
Zezé interpreta com maestria, com emoção, com poesia, exalando sentimentos. Não realiza gestual algum, nem expressão corporal. Somente a sua fala, clara, limpa. O seu verbo, a sua palavra, com uma retórica correta, clara e de fácil compreensão. Ela também canta, com uma voz potente e afinada, dando um caráter musical ao texto, melodioso, com uma sonoridade ímpar. Procede com vibração, garra, de forma contagiante, emocionando o público e se emocionando também. Portanto, uma atuação digna de aplausos e de elogios, em que ela atua, ao mesmo tempo, como atriz e cantora.
Ao narrar o texto sentada o tempo integral, com exceção do início e do encerramento do espetáculo quando canta em pé, não há movimentação alguma, ficando presa no centro do palco, de forma estática. Tal fato poderia provocar uma certa monotonia e falta de dinamismo ao espetáculo. Contudo, esse fato é superado pela força da palavra e da Interpretação, que está associada à emoção, e pelos dois músicos que a acompanham, Pedro Leal David e Mila Moura. A narrativa é pesada, passa dor e sofrimento, e a música ameniza, suaviza, com o barulho e o som dos instrumentos, faz viver aquela melodia deliciosa, e a poesia irradiar naquela ribalta.
As canções apresentadas são poéticas e de qualidade deixam transparecer uma rigorosa seleção, realizada pela competente direção musical de Pedro Leal David, que vão desde os arranjos dos blues, no contexto da atmosfera dos anos 30/40 do Sul dos Estados Unidos, até os cantores pretos brasileiros. Estes também são homenageados e lembrados. Os poetas pretos brasileiros se encontram presente na narrativa de Zezé com os músicos de blues. Eles são lembrados porque são os legados da nossa ancestralidade. A música também se constitui como um elemento que aproxima a trajetória de vida da narradora e a da narrada.
A direção de Elissandro de Aquino é competente e potente. Ele realizou as marcações precisas e certeiras, e definiu o que a atriz deveria realizar: uma interpretação em que a palavra ganha primazia, seja por meio da fala ou do cantar. O pensamento do texto é bastante explorado pela direção, fato que permite alcançar as intenções ou sutilezas da personagem.
O figurino criado por Margo Margot em tom amarelo manteiga é de bom gosto, elegante e chique.
A cenografia criada por Claudio Partes é correta, adequada, e apresenta uma boa disposição dos elementos cenográficos pelo palco. Criativa a plantação de algodão com nuvens por cima. No platô onde a atriz está sentada e atua, há uma mesa com copos d’água, como também um livro, de onde sai a sua narrativa. Do outro lado, estão os músicos que a acompanham e os instrumentos musicais. Todos os elementos cenográficos estão distribuídos de forma harmônica e equilibrada.
A iluminação criada por Aurélio de Simoni é boa e bonita, sobretudo o tom lilás.
Vou Fazer de Mim Um Mundo é um monólogo que apresenta um dramaturgia crítica e denunciadora da violência contra uma mulher preta; uma atriz, que também é cantora, e tem uma atuação de alta qualidade; e figurinos, cenografia e iluminação de qualidade e interligados, apresentando um bom conjunto.
Excelente produção cênica!
Alex Varela








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