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Revista do Villa

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Entrevista: Iole de Freitas (Artista Plástica)

Minha entrevistada é a conceituada artista plástica Iole de Freitas. 

A artista plástica Iole de Freitas em sua exposição "Fazer o Ar"
A artista plástica Iole de Freitas em sua exposição "Fazer o Ar"

1- Olá, Iole! Você inaugurou a exposição “Fazer o ar”, no Paço Imperial. Poderia comentar sobre a sua nova produção artística?


Esta exposição Fazer o Ar, que tem a curadoria do poeta Eucanaã Ferraz - quem assim a nomeou - traz os meus últimos trabalhos realizados após duas grandes exposições de 2023. Uma no Instituto Moreira Salles, intitulada Imagem Como Presença, com curadoria da Sonia Salzstein, que traz então todas as obras realizadas nos anos 70: os filmes, vídeos, as sequências fotográficas. E, a partir dessas duas exposições realizadas paralelamente, no ano de 2023, eu busquei um ponto de continuidade para o trabalho que havia sido congelado, interrompido, na exposição do Instituto Tomie Ohtake, intitulada Colapsada, Em Pé, que teve curadoria do Paulo Miyada. Pois na gravação de um vídeo performático com Bento Dias, na véspera da abertura, que seria dia 07 de julho, eu caí e fiquei imobilizada por um bom tempo. Me recuperei em 2024. E quebrada, porém "cirurgiada" e colada, digamos assim, eu retomo o Manto que foi a última peça feita no Tomie Ohtake, com papel glassine - que é o que se usa em embalagem de obras de arte, um papel encerado - e água, areia, cola… e gesto. E muito impulso vital, para conseguir armazenar cotas de ar com um movimento dos braços e do meu corpo, que construíam o que eu chamava no anos 90 dos Sopros, que eram com telas metálicas. A diferença aqui é que, além de ser o papel, que um material inusitado… Nesse momento não tinha cola, não tinha areia, não tinha nada - éramos eu e o papel. Um certo companheirismo teve que surgir disso. Buscando capturar cotas de ar e fazê-lo compulsivamente de modo que mesas/pranchões de 4,20m por 1,80m iam sendo ocupadas num gesto meu, contínuo, às vezes por cinquenta minutos sem parar, com os braços criando essa volumetria muito afável.


A areia eu já havia utilizado algumas vezes, em trabalhos de aço inox recobertos. Mas aqui é totalmente diferente: estes Sopros que eu faço vão criando panejamentos, vão criando dobraduras... a areia se acomoda de uma maneira muito peculiar; o que depende, inclusive, da minha maneira de insuflar o ar ali. Às vezes ela se acomoda de maneira mais acumulada, outras, de maneira quase inexistente e, endurece o papel. Então, ele é um algo.


Fomos percebendo - eu e Eucanaã - que aquilo construía para mim um território. Ele foi vendo como a respiração era importante nesse trabalho. Eu fui buscando e, ele foi acompanhando (durante todo o período de um ano, quase semanalmente) a evolução daquilo que foi sendo descoberto nessa lide com uma matéria que, de vez em quando, se impunha a mim e em outros instantes eu me impunha a ela. E o resultado é o que você está vendo: é essa exposição Fazer o Ar. São vários Mantos. Tem um vermelho…. porque eu queria, desde o início no Instituto Tomie Ohtake, eu queria a cor. E essa cor, vermelha, eu uso desde 2000 no Centro Cultural Hélio Oiticica, quando eu fiz aquela ocupação do espaço inteiro e duas grandes esculturas vermelhas que estão na Pinacoteca de São Paulo. Então, esse vermelho é a cor que vai se depositar sobre o Manto, depois do papel ter sido todo manipulado, esculpido; da água com a cola ter encharcado a matéria de modo que ela se dobra sobre si mesma e faz então os mantos, os panejamentos; e a areia, que vai trazer uma superfície que é táctil até para o olho: você vai enxergando aquela aspereza, aquelas mini-partículas de terra e de minério que estão ali.


Os Mantos se colocam de várias maneiras: no chão, na parede, penduram-se no teto... e são grandes, como eu sempre gosto. E estão na sala que escolhi do Paço Imperial, que é o terreiro. Porque o chão é de pedra - pedras enormes, ele é minério também. Então eu acho que são essas as questões deste trabalho. Também tem o vídeo Escada, que veio da instalação com este nome no Tomie Ohtake. E as Escadas - que são duas agora mas é a Escada porque ela se dividiu em dois - que estão não ocupando o espaço real mas presas na parede do fundo. São decisões também curatoriais importantes, porque Eucanaã quis isso desde o início, essas escadas contra a parede, penduradas na parede. Então entre a leveza dos Mantos, nós temos a presença do peso real e visual da Escadas no fundo.



2- No campo das artes plásticas, você pertence a qual geração de artistas?


Eu comecei a trabalhar nos anos setenta. A minha primeira exposição foi em 1973, na galeria Diagrama em Milão - eu morava em Milão. Participei do grupo chamado Body Art, sempre foram trabalhos muito experimentais. Assim, eu tenho a experiência de conviver mas não ainda fazer o trabalho escultórico, fazia dança esse tempo todo. E de frequentar o Museu de Arte Moderna, o café do MAM, aí conhecendo o Antonio Dias (com quem me casei depois), Vergara, Guerchman, Magalhães, e, principalmente, o Hélio Oiticica. Então, digamos assim, a formação foi nos anos sessenta com esses artistas incríveis, e depois, a realização do meu próprio trabalho foi na Europa. Eu trabalhava na Itália, na Áustria, na Alemanha, um pouco em Paris.



3- Quais são as principais referências (teóricas e práticas) que embasam o seu fazer artístico?


Eu convivi com todos os artistas então da Body Art e com os da Arte Povera. E voltando ao Brasil em 1978 - eu fui pra Itália em 70 - fui convivendo com todos os artistas dessa geração: José Resende, Tunga, depois Beth Jobim e também Paulo Pasta, até já os mais atuais. Então, o que embasa o nosso fazer artístico é a vida, a vivência que você tem e a troca que é feita com outros artistas, com outros pensadores, com outros críticos de arte, historiadores de arte ou agora como se fala, os curadores…


E agora com essa exposição, a troca constante por quase um ano e meio com o poeta Eucanaã Ferraz, fazendo com que essa vitalidade de um pensamento que é compartilhado e depois é absorvido pelo outro. Você absorve aquilo que o outro traz, cada um dentro da condição expressiva que tem: no poema, na escrita ou na escultura, no papel. Então eu acho que são essas as referências, você vai convivendo com seus companheiros/pares e vai trocando com eles.



4- Quais são as principais características do seu fazer artístico?


Eu trabalho com a leveza, trabalho com o imponderável: o ar. Aquilo que não pode ser apanhado na mão… Você fecha a mão e tem ar de qualquer jeito. O ar está fora, está dentro do nosso corpo, senão você morre. É o elemento básico constitutivo do viver. E relacionado, talvez ele seja em sua fisicalidade, um componente leve, porque ele não tem a densidade corpórea da massa. Então acho que é basicamente essa leveza.


Momento de descontração da artista
Momento de descontração da artista

5- Você se formou pela Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Quais são as lembranças que você tem da sua formação universitária?


Não, eu não me formei. Eu fui da segunda turma. Fiz o vestibular, entrei, frequentei e depois eu fui para Milão. Casei com Antonio Dias e fomos. Lá, eu trabalhei logo que cheguei na Olivetti. Então a experiência que eu tenho da ESDI é muito inaugural dentro de todo o meu trabalho, porque nessa turma que eu entrei... Existia na Escola uma pluralidade de laboratórios: de fotografia, de metais, de madeira e junto, uma grande sala com muitas pranchetas de desenho. Você tinha outros lugares... tinha biblioteca, lugares de estar. Era muito vital. E essa relação com o fazer, com a manualidade - que o meu trabalho traz até hoje - eu já tinha. Eu trabalhava muito com teares, cobre, couro no ateliê do Luis Watson; por isso fui aceita na ESDI. Essa estrutura de compartilhamento também existia lá em Ulm, na Bauhaus; e aqui ficou um modelo muito bem abrasileirado. Então, mesmo eu tendo ficado pouco - eu não me formei - foi estrutural.



6- Qual foi a importância e como foi a experiência em Milão (Itália), onde você trabalhou como designer no Corporate Image Studio da Olivetti, sob a orientação do arquiteto Hans von Klier?


Foi muito vital. Porque eu mudo de país, me caso. Depois eu tive uma filha, a Rara Dias - foi quem me impulsionou inclusive. O nascimento dela impulsionou o meu processo criativo individualizado, porque ele era sempre usado na dança ou no design, que eu sempre gostei. Mas depois da Rara nascer, eu comecei a desenvolver os trabalhos de linguagem individualizada. Aí são os filmes, as fotos.


Mas na Olivetti foi uma experiência incrível, porque nós tínhamos projetos muito ligados ao Clino Castelli - um brilhante designer italiano - que desenvolvia toda a parte visual. As experiências eram incríveis: para colocar todas aquelas letras enormes da Olivetti na estrada Roma-Milão, qual a distância entre elas, o tamanho delas, a cor, a maneira de definir isso era impressionante... Outra coisa foi a possibilidade de conhecer - depois que eu trabalhei no escritório do Clino Castelli - o Hans von Klier, que foi uma pessoa incrível que me acolheu e me passava projetos muito interessantes, às vezes até projetos fora da Olivetti. Acho que foi assim o acolhimento, o abraço profissional que eu tive, que recebi ao chegar à Itália.



7- Qual é a função do artista na sociedade?


Se é linguagem, comunicação, é buscar chegar ao outro. E chegar ao outro mostrando o que você é, o que você percebe do mundo, qual é a sua percepção do mundo, como isto se organiza para você, qual é o seu movimento de sensibilidade em relação às coisas, aos outros e a sociedade. Então, acho que é sempre compartilhar aquilo que sabe, na poesia, no lirismo que percebe, na dramaticidade daquilo que percebe, muitas vezes na performance, com os corpos ali muito atuantes e mostrando a vitalidade que eles têm e que chega até nós. Aquele campo magnético que nos invade. E quando algo que exista fora, venha manchado de injustiça social, de preconceitos; aí, a função é mostrar através da liberdade, do direito da fala - que o trabalho de arte traz. Você vai mostrando ao outro a comprovação de que viver de maneira íntegra com aquilo que você acredita, que sua inteligência dá conta, seu coração diz como justo em relação ao outro e a você... que o trabalho passe isso, alimente isso, desperte no outro também essas questões. Não é fácil, assim dizendo, com um trabalho de arte, descobrir esse prumo de lucidez; mas a obra será sempre uma provocação estimulante.



8- Quais são os seus projetos para o ano de 2025?


Já estou em 2026. Eu tenho uma exposição na galeria Raquel Arnaud no primeiro semestre, a curadoria também vai ser do Eucanaã Ferraz. Mas estamos ainda pensando, porque ainda nem acabamos direito essa que está aberta agora, Fazer o Ar, no Paço Imperial… E no segundo semestre de 2026, eu terei uma exposição no IAC, com curadoria de Jacopo Crivelli Visconti, que traz todo o bojo do meu arquivo que lá está. Até 2017, eram 2200 itens. Agora depois dessa produção dos últimos anos, tem muita coisa que está sendo repassada para lá. Quem não conhece, o IAC é o Instituto de Arte Contemporânea que guarda o acervo documental de muitos artistas. Antes só os que já haviam falecido, comigo começamos com artistas vivos. Aí depois entrou Carmela Gross, Antônio Dias (ele quando entrou, já tinha morrido) e Regina Silveira. Então, são estes os movimentos que eu pretendo ter: já pensar no ano que vem, nessa exposição e trabalhando. E tem outras coisas também para surgir em 2025 mas ainda não estão confirmadas, então não vou dizer.


A conceituada artista Freitas na montagem de sua linda exposição no Paço Imperial. 
A conceituada artista Freitas na montagem de sua linda exposição no Paço Imperial. 

Fotos:Arquivo pessoal/Divulgação 

Chico Vartulli


1 Comment


Guest
May 11

Ótimo entrevistador e entrevistados !

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