O entrevistado de hoje é o renomado historiador Djalma Augusto dos Santos Mello.

1- Olá Djalma! Você acabou de lançar a obra A Província Fluminense. Literatura, imprensa, arte e escravidão no longo século XIX. Qual é a premissa fundamental do estudo?
O século XIX no Brasil foi um século em transformação. Para o filósofo Karl Polanyi, o século XX passou por intensas mudanças, no entanto, o século XIX no país vivenciou o Nascimento Cultural. Não tivemos História Antiga e nem História Medieval, mas sim, a Idade Moderna e Contemporânea, bem diferente do quadro histórico europeu.
Os escritores e artistas europeus levaram para a superfície a cultura europeia e ela encontrava-se atrás dos muros nos principais mosteiros, muito bem trabalhado de uma forma verossímil no livro O Nome da Rosa de Umberto Eco e nas universidades de Paris, Coimbra, Oxford, Cambridge, Bolonha e Salamanca na Espanha com os ensinamentos do neoplatonismo aristotélico-tomista liderado por Bernard de Chartres, Pseudo Areopagita, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino.
O Brasil vivenciou nos oitocentos uma intensa atividade artística e cultural nas letras após a criação da Imprensa Régia por D. João VI em 1808, a Missão Francesa liderada por Lebreton e as gravuras de Debret, além é claro do alemão Rugendas. A nossa História da Arte estava em formação, assim como o conhecimento na fauna, flora e mineralogia de uma forma auspiciosa pela Imperatriz Leopoldina e a Missão Austríaca, destacando Spix e Martius. Até mesmo o principal escritor do romantismo alemão Johann Goethe conheceu a flora brasileira, mesmo sem nunca ter pisado no continente americano. Recebeu dos aventureiros germânicos, espécies até então desconhecidas na Europa.
2- Por que a região Vale do Café Fluminense lhe interessa como objeto de estudo?
Nasci em Barra Mansa-RJ, cidade que encontra-se no Vale do Café Fluminense, uma cidade histórica fundada em 1832 na condição de vila e desmembrada de Resende em 1857, tornando-se cidade e ponto estratégico na economia cafeeira. Todo o Vale do Café é rico em documentação histórica. Os arquivos públicos de Piraí, Resende, Vassouras e Barra Mansa tem uma farta documentação, fontes primárias riquíssimas sobre diversos temas, principalmente escravidão e imprensa nos séculos XIX e XX.
3- Como se deu a sua formação como historiador?
Tornei-me historiador quando desenvolvi a minha primeira pesquisa para a publicação do meu primeiro livro Oitocentos no plural: História e Literatura nos tempos machadianos. Ed. RH Produções Artísticas, Volta Redonda-RJ, 2021. Fui atrás de documentos e historiografia sobre a história da literatura brasileira no século XIX na Biblioteca Nacional e na biblioteca da Academia Brasileira de Letras.
4- Quais são as suas principais referências no campo da história?
As minhas principais referências são Fernand Braudel, historiador francês da segunda geração da Escola dos Annales da França, o historiador cultural britânico Peter Burke, o historiador estadunidense Robert Darnton, um especialista em Iluminismo e o italiano Carlo Ginzburg. No Brasil, o historiador Sidney Chalhoub, o polímata Marco Lucchesi e as historiadoras Lilia Moritz Schwarcz e Mary del Priore.

5- Além de ser um pesquisador de qualidade, você também leciona em alguma universidade?
Não. Sou palestrante em universidades públicas, privadas e diversas Academias de Letras.
6- Você considerou relevante a lei que regulamentou a profissionalização do historiador?
Sim! A Lei 14038 reconhece a função do historiador, um trabalho sério e profissional. A Lei diferencia o amador que escreve a História sem ter-se formado na área, separando o profissional do amador.
7- Como você define a história?
A História é uma Ciência Social, uma área que foi escrita por uma elite intelectual e pensada para escrever sobre as elites. No livro de Homero Ilíada, a Guerra de Tróia deveria ser lembrada ad aeternum na conquista dos Reis, segundo Agamenon diante de Aquiles. A ideia de pensar a História somente do ponto de vista mítico e elitizado não foi total, mas um parcial equívoco do personagem Agamenon.
William Shakespeare escreveu sobre Júlio César, assim como Alexandre Dumas escreveu uma biografia de Napoleão Bonaparte, no entanto, a história dos menos afortunados, ainda que tenha sido verossímil, tem um valor histórico e social inquestionável. Cito por exemplo a obra Os Miseráveis de Victor Hugo. A História estava alinhada com a filosofia de Augusto Comte no Brasil em boa parte do Brasil Imperial no século XIX e na República Velha, uma elite que fomentava a “ordem” e o “progresso” na República. Com o surgimento da Escola dos Annales na França, fundada pelos historiadores Marc Bloch e Lucien Febvre (1929-1989), a História estreitou laços com a Geografia Humana, Sociologia e Antropologia. Um olhar híbrido na área de História, reforça a hermenêutica e desconstruiu a ideia que a História é só museu e todo o historiador é um antiquário, palavras essas muito bem definidas por Marc Bloch em seu livro Apologia da História ou ofício do historiador? Nenhum historiador é dono da verdade, pois a verdade é tangível e relativa. A História é problematizada buscando compreender o passado para explicar o nosso tempo.
8- Quais são os seus projetos futuros na área de história?
Tenho um projeto que será organizado por mim e pelo escritor e historiador Leonardo Santana. Seremos organizadores de um livro com cerca de 15 intelectuais com enorme credibilidade nacional e internacional e esperamos que seja lançado no segundo semestre de 2025. Em março ou abril vou lançar o meu primeiro romance histórico e o cenário geográfico é uma fazenda na zona cafeeira em Barra Mansa, empoderamento feminino de uma sinhazinha e um escravo muçulmano. Uma obra ficcional flexibiliza o escritor e o historiador diante da história oficial. Já estou escrevendo um livro ainda sem título e o tempo histórico é a Baixa Idade Média, tecendo um novo olhar sobre Dante Alighieri, A Divina Comédia a mentalidade medieval.

Fotos: Arquivo pessoal/Divulgação
Chico Vartulli

Muito interessante a sua entrevista dada à Revista do Villa. Trouxe para nós um outro conhecimento, uma nova visão da História.
Continue assim, nesse novo caminhar, na trilha do saber.
Parabéns.
Excelente! Os historiadores brasileiros devem ser reconhecidos, assim como seus trabalhos, livros terem mais visibilidade. Excelente entrevista!