Entrevista com o cineasta Yves Goulart
- Chico Vartulli

- 16 de ago.
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Fotos: Arquivo pessoal/Divulgação
1- Olá Yves! Por que você escolheu a trajetória de Aldo Baldin para realizar um documentário?
Acho que não foi a minha escolha, mas sim fui escolhido para essa missão artística. A história do Aldo chegou até mim e me senti na obrigação de compartilhá-la. Por ter nascido na mesma cidade, em Urussanga, sul de Santa Catariana, só fui descobrir que Aldo existia em Nova York, em 2009, através do disco “Villa Lobos – Seresta, Bachianas e Canções”. Na capa está a igreja matriz da cidade e, eu me perguntei: ‘Como que não fiquei sabendo desse disco? Fui vendedor de LPs e CDs em uma loja na cidade e essa obra nunca foi vista?’ Ao se deparar com a falta que minha geração teve sobre o tenor brasileiro Aldo Baldin e sua trajetória, achei que seria importante fazer um filme sobre ele.
2- Quais foram as fontes que você utilizou para narrar a trajetória do cantor lírico?
Depois de uma vasta pesquisa e com entrevistas feitas na América do Sul e Europa, as fontes que utilizei foram os próprios colegas, amigos e familiares de Aldo Baldin, que ajudaram a compor o roteiro durante as filmagens à medida que cada entrevista levava a novas informações. A surpresa maior foi encontrar na casa da viúva Irene Flesch Baldin, na Alemanha, uma fita cassete narrada em primeira pessoa gravada pelo próprio Aldo, alguns dias antes do seu ataque cardíaco. A gravação inédita foi cedida pela viúva à nossa produção, e como esse áudio traçamos a ‘espinha dorsal’ do filme. O próprio Aldo narra suas praticidades dessa biografia e os entrevistados complementam a história. Não podemos esquecer que é um filme de edição que acabou surgindo na própria pista de montagem da obra. A força do material, como gravações em Betacam de intimidades da família, cenas de aniversário, ensaios e arquivos das TVs alemãs, iam se compondo durante o processo de criação.
3- Quais razões você elencaria para a pouca visibilidade no Brasil da memória da trajetória de Aldo?
O Aldo Baldin não fazia arte popular. Não é fácil estar nesse lugar. A valorização desse ofício perante o grande público passa despercebida. O reconhecimento automático está longe. Existe um preconceito de querer conhecer a música clássica por parte da maioria dos jovens. Entre os apreciadores da música clássica, Aldo era muito bem acolhido e respeitado. Os concertos em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Florianópolis sempre eram divulgados nos jornais da época e os teatros estavam cheios. O Brasil não valoriza muito seus artistas e a grande mídia valoriza sempre o lado comercial da arte, não dando muita importância ao sublime do canto clássico. Então, essa visibilidade foi e é comprometida desde muito tempo.
4- No exterior, Aldo ainda é lembrado?
Depende, em rádios de músicas clássicas na Alemanha se ouve Baldin cantando. Os discos de grandes selos e grandes regentes foram relançados em CDs na década de 1990 e ainda continuam disponíveis em plataformas importantes de músicas. Para você entender isso, seria importante colocá-lo como ‘referência’ de uma época. Como a voz dele está em 100 discos gravados e publicados, essas obras são consultadas por muitos jovens que escutam e estudam o estilo musical de Aldo Baldin e como ele conseguia navegar em tantos estilos com tanta facilidade. A técnica dele era e é admirada até hoje.
5- Quais foram os principais compositores que Aldo gravou?
Claudio Santoro, Heitor Villa Lobos, Mozart, Rossini, Verdi, Mahler, Beethoven e, principalmente, Bach.
6- Além de ser um cantor lírico, ele também era um formador?
Sim, ele foi Professor Catedrático na Universidade de Música de Karlsruhe, na Alemanha. Formou muitos alunos no canto lírico que fizeram grandes carreiras.
7- Qual foi o legado que Aldo deixou?
Além dos seus alunos que fizeram carreiras interacionais, como o alemão Robeto Saccà e o brasileiro Fernando Portari, o grande legado são as 100 obras gravadas dos principais compositores. Da obra de Bach são 45 discos sob a regência de regência de Helmuth Rilling.
8- Quais são os seus projetos futuros?
Fomos aprovados no concurso público da FCC (Fundação Catarinense de Cultura) para fazer um livro sobre Aldo Baldin. Uma biografia completa, incluindo a transcrição do áudio da fita cassete deixada por ele. O livro terá fotografias dos personagens que Aldo interpretou em óperas, curiosidades e os depoimentos completos das pessoas que participaram no filme.
9- Na sua visão, qual foi o melhor momento da carreira de Aldo Baldin?
Eu penso que foram 3 momentos: o primeiro, quando ele recebeu a carta do maestro alemão Kal Richter para conseguir a bolsa de estudos na Alemanha; o segundo, quando gravou ‘A Criação de Haydn’ (disco que ganhou o Grammy em 1981) com o maestro Sir Neville Marriner; e o terceiro, sem dúvida, quando foi aprovado pela banca da Universidade de Música de Karlsruhe, na Alemanha, se tornando professor catedrático.
10 – A marca de 24 prêmios diz muito sobre a qualidade do filme e o apelo que teve dentro dos festivais. Você considera que este trabalho pode ter desdobramentos futuros? Se sim, quais?
Com e sem prêmios o filme existe. Eles são estímulos às nossas novas produções. Fazer cinema é tão difícil e complicado que esses reconhecimentos nos dão a sensação de ‘missão cumprida’ com a obra cinematográfica. A Eliane Sampaio, 93 anos, professora de canto do Aldo no Rio de Janeiro, me escreveu recentemente: “Não vi ainda nenhum outro que tenha consagrado sua arte ‘post mortem’ como o Aldo Baldin. E ele deve isso a você.” Esses prêmios, de uma certa forma, também são do Aldo. Sem ele, o filme não teria sentido. Sem o comprometimento e o envolvimento da viúva Irene F. Baldin, com todo o acervo que ela disponibilizou, o filme nem existiria.
11 – Como a ideia do documentário foi recebida pelas famílias de Aldo Baldin?
No início, com desconfiança, o que é normal. Depois, com todo respeito e apoio. Como a Irene F. Baldin é a diretora musical, todos as músicas passaram pelo crivo dela. A construção foi feita praticamente junto. Ela foi acompanhado o processo criativo da edição, ajudando na pesquisa, procurando músicas para cada cena que narração pedia, buscando fotos, imagens ou partituras que poderiam ilustrar a cena, etc. Quando exibimos o filme na Alemanha, a filha Sofia ficou muito emocionada e feliz como o resultado.
12 – Qual a mensagem que o filme deixa para aqueles que desejam seguir com seus sonhos?
Nenhum caminho é fácil. A ‘Jornada do Herói’, de Joseph Campbell, é a base da própria trajetória do Aldo. Eu classifico esse documentário como um ‘doc-ópera’ com oito atos. Os elementos do universo operístico fazem parte da narrativa. Mas o grande dispositivo do filme é a resiliência do artista Aldo Baldin. Para ele, desistir da carreira não era uma possibilidade. Ele lutou muito para alcançar seus objetivos porque era tenaz em sua profissão. Aldo não estava a serviço da vaidade e sim a serviço da arte do canto. Essa é a beleza de sua biografia. Uma vida dedicada à música.
Chico Vartulli


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