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Canina: o uivo silencioso


Ela já foi muitas coisas: uma artista, uma mulher cheia de sonhos, uma esposa apaixonada. Agora, é apenas “Mãe”. Sem nome, sem identidade, reduzida a um papel que a engole inteira. Foi sem nenhuma expectativa que assisti a "Canina", estrelado pela Amy Adams, e o filme é uma delícia. O longa conta a história de uma mulher que foi se anulando e, agora, é só conhecida como "Mãe" e coloco aqui em letra maiúscula porque é assim que ela é chamada durante todo o filme. A ausência de um nome para a protagonista é uma escolha deliberada (e um golaço) que mostra a universalidade de uma mulher que se perdeu dela mesma por conta da maternidade. Conhecida apenas como “Mãe”, essa decisão narrativa destaca como muitas mulheres podem sentir-se reduzidas só ao papel materno, esmagada por uma rotina solitária, escondendo outras facetas e desejos de sua identidade.

 

Um belo dia, essa "Mãe", vê começar a nascer um rabo. Daí, então, começam pelos no corpo, aparece um olfato apuradíssimo, dentre outras coisas. Amy Adams faz essa transformação da forma mais orgânica e engraçada possível com tons que vão do realismo cru ao surrealismo. No começo, dentro da casa, temos a sensação de claustrofobia e isolamento, mostrando a rotina de muitas mães que vivem cansadas e sentem falta de apoio por parte dos pais.

 

Em Canina, a anulação da "Mãe” ganha forma literal quando, exausta e sufocada pelo peso da maternidade e de um casamento desigual, ela se transforma em um cachorro, um husky siberiano meio castanho, parecido com a própria Amy, inclusive. Essa metamorfose em um cachorro é super simbólica porque ela assume as rédeas: ela caça, ela vira líder da matilha da vizinhança – mostrando sua força – e corre; ela corre livremente com o vento batendo na cara, o que faz nós, espectadores sentirmos uma liberdade gostosa e desejada por aquela mulher que estava presa a ao caos de uma função só na vida, a de ser mãe.

 

Dirigido e roteirizado por Marielle Heller, “Canina” adapta o romance satírico de Rachel Yoder, explorando os sentimentos que envolvem a maternidade através de uma narrativa que mistura fantasia e realismo. Eu adorei porque este é um filme todo feito por mulheres, quem melhor do que nós para entendermos nossas próprias dores e fazer graça delas? A atuação de Amy Adams nos faz sentir cada momento de angústia, raiva e, eventualmente, libertação.

 

A mudança se dá de uma forma leve, boa de assistir. “Canina” é um filme sobre as dores e belezas da maternidade e de como podem ser cruéis as expectativas sociais relacionadas à maternidade e ao casamento. O filme utiliza a metáfora da transformação em cachorro para abordar as dificuldades da maternidade e o papel feminino no contexto conjugal, destacando a importância de não se submeter passivamente e de não deixarmos nos apagar ficando apenas no papel "Mãe".


Por Cláudia Felício (autora best-seller, roteirista e crítica especializada em cinema).

 

Cláudia Felício


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