Atores e Público: Juntos e Misturados
- Alex Gonçalves Varela
- 20 de fev.
- 3 min de leitura
Estreou Fauna na Sala Multiuso do Sesc Copacabana.
O espetáculo é uma produção do Grupo Quatroloscinco - Teatro do Comum.
Marcos Coletta e Assis Benevenuto são os responsáveis pela dramaturgia que apresenta uma proposta dinâmica e interativa de aproximação por meio do diálogo entre os atores e o público. Desmonta-se o formato convencional de uma apresentação teatral, em que o elenco e a plateia estão cada um no seu devido espaço, para uma apresentação mais intimista, em que os atores e o público ocupam o mesmo espaço, e interagem o tempo integral da apresentação. Estabelece-se uma relação horizontal, no mesmo plano, pois os atores estão circundados pelo público, que está sentado nas cadeiras ou no chão do que seria o suposto palco, e ali se apresentam. Portanto, diluiu-se as fronteiras entre palco e plateia, passando a estar juntos e misturados.
A narrativa dramatúrgica não contém um enredo propriamente dito. Por sua vez, os atores não interpretam personagem algum. O texto apresenta uma série de acontecimentos, e os atores convidam o tempo integral o público a completar o texto. Por exemplo, a gente....., ou rompimento...., entre outras. E o público vai preenchendo os espaços que seguem as palavras, cocriando a dramaturgia em parceria com os autores. Ademais, os atores escolhem integrantes da plateia e com eles dialogam, perguntando desde dados pessoais até questões do quotidiano. Também solicitam a algum espectador que, no meio do espetáculo, diga a seguinte afirmação: "Eu tenho uma bomba atômica dentro de mim".
Logo ao entrar na sala do espetáculo, o público é solicitado a retirar os seus calçados e a colocá-los numa caixa. Ao iniciar, os atores pegam as caixas e as colocam no espaço destinado a apresentação, e lançam os sapatos ao solo, misturando-os e dando uma ideia de desordem, de bagunça. E é exatamente no meio daquele emaranhado que tudo se processará. Os calçados integram o texto, os atores os calçam, buscam adivinhar a quem pertencem, e só devolvem aos espectadores ao término.
O texto é inspirado no livro O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e fim do indivíduo, do filósofo Vladimir Safatle. E apresenta uma reflexão importante sobre temas como amor, medo, visita a um campo de concentração, pensamento, conselhos, cuidar de si, rompimentos, tempo, escravidão, extinção das espécies, liberdade, solidão, desamparo, entre outras questões que se fazem presente na pauta dos assuntos mais discutidos no mundo contemporâneo. Todos esses temas são discutidos buscando-se explorar a dimensão política dos afetos, e valorizando a convivência entre público e atores. Numa sociedade cada vez mais individualizada e global, o teatro busca resgatar os valores comunitários há muito tempo perdido. Juntos, elenco e plateia, pensam e refletem.
Além de serem os responsáveis pela dramaturgia, Marcos Coletta e Assis Benevenuto também são os protagonistas. Eles apresentam uma notável técnica interpretativa, e emocionam. A passagem que se refere ao campo de concentração choca. Por sua vez, ao comentar sobre a extinção da espécies, ligam o alerta. É preciso cuidar do planeta! Eles dominam o texto e o palco, e tem uma boa retórica e uma linguagem acessível. Apresentam uma excelente comunicação com o público, interagindo o tempo total da peça teatral. Apresentam também uma movimentação intensa, sabendo inclusive andar naquele espaço de atuação para não pisar em ninguém.
A direção é de Ítalo Laureano, e Rejane Faria, que focaram no texto, e na livre interpretação dos atores, deixando-os a vontade naquela ribalta.
Os figurinos são adequados, roupas do quotidiano. A cenografia é mínima. A iluminação criada por Rodrigo Marçal apresenta um domínio da luz branca, que contrasta com momentos de escuridão total.
Fauna é um espetáculo que derruba os espaços convencionais da plateia e dos atores, colocando-os juntos e misturados; dois atores com exímias interpretações; e uma dramaturgia que coloca questões do tempo presente e nos leva a pensar e refletir.
Excelente produção cênica!
Alex Varela

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