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Revista do Villa

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A Potência de Ser Nós

Ao abrir esta coluna, sinto o cheiro do ovo frito da minha avó. Minha boca se enche d’água e minha memória retorna à infância, revisitando o quintal barulhento da casa de vovó e as brincadeiras com minhas primas Luiza e Laís, meus irmãos e primos. 


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Recordo as vozes altas, os risos soltos, o barulho que embalava nossa alegria. Antes mesmo de entendermos o que era preconceito, já conhecíamos o significado do afeto.

 

Os vínculos que nos unem são profundos. Acredito que a vida aproxima pessoas cujos saberes conversam entre si e cuja ancestralidade se reconhece. Olhar para dentro, para as nossas origens, também é um jeito de explorar o mundão e entregar ao mundo toda a nossa pluralidade. Isso, para mim, é conhecimento.

 

Nesta edição, quero escrever sobre mulheres pretas e sobre como elas atravessam a minha existência. São elas que, ao longo dos anos, me moldaram e continuam me formando.

 

Essa narrativa começa com minha avó Gildethe: mulher negra retinta, mãe do meu pai Antônio e do meu tio Luiz, baiana de Ilhéus. Foi ela quem me ensinou a rezar — quem colocou nas minhas mãos a primeira semente de fé.

 A fé que me habita foi construída entre minha avó e minha mãe, Cândida, maranhense, nordestina de coragem larga. Com elas aprendi que fé não é só palavra: é força que sustenta, gesto que acolhe, coragem que ri das impossibilidades.

 

E essa herança continua. Quando soube que minha sobrinha Valentina ia nascer, comecei minha transição capilar. Eu alisava o cabelo, mas queria que ela crescesse se reconhecendo, segura das próprias características, com autoestima para carregar o cabelo cheio como coroa. Hoje, vendo Valentina com seus dez anos, percebo que estou cumprindo meu papel de tia e dinda: ser parte da rede que sustenta a identidade dela, assim como minha avó, minha mãe e minhas tias — entre elas, minha tia-avó Maria Célia sustentaram a minha.

 

Assumir nossa identidade dá uma força imensa. E, apesar de tempestades, me sinto privilegiada por ter sido acompanhada por olhares atentos, como o de vovó; pela firmeza de minha mãe; e pela admiração generosa das minhas primas. Foram elas que estiveram comigo quando fiz minha segunda pós-graduação na UFRJ. Fiquei em segundo lugar — um momento que jamais vou esquecer, porque foi construído a muitas mãos.

 

Nossa presença está em todos os cantos. Somos 55 milhões de mulheres pretas no Brasil, segundo o IBGE — cerca de 28% da população. Mas quando esses números não se convertem em reconhecimento, são nossas vozes diversas que precisam insistir para serem ouvidas num mundo que tantas vezes tenta nos calar.

 

Encontrei nessas conexões uma verdadeira rede que me sustenta. Paralelamente, fui nutrida por autoras que me abriram caminhos e imaginários: Djamila Ribeiro, Grada Kilomba, Michelle Obama, Lélia Gonzalez, Carolina Maria de Jesus, Chimamanda Adichie e Achille Mbembe, Maya ângelo e tantas outras e outros que não cabem aqui. Na música, Elza Soares, Nina Simone, Beyoncé — a minha Queen — e, como diz Ludmilla, “ser fodona pesa e traz muita responsabilidade”.

 

Sim: ancestralidade é força.


Joyce Caetano, amiga da infância, com quem a vida me reconectou, reforça isso sempre. Sua lucidez e sonhos me atravessam. Para ela, “A verdadeira beleza nasce quando a gente se reconhece no olhar da outra. Somos espelhos umas das outras e, quando uma brilha, todas acendem.” 

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Carla Herzog chegou de um jeito bonito. Era Copa do Mundo de 2017, festa no Morro da Urca, e já nos seguíamos no Instagram — quando o Instagram nem era tão movimentado assim. Carla, que morava em Chicago, brilhava. Hair stylist, maquiadora, broker… uma mulher extraordinária. Foi ela quem me ensinou meu primeiro contorno de maquiagem. Tínhamos as mesmas referências dos bailes funk dos anos 2000 e o mesmo fervor carioca. Ela encontrou sua ancestralidade nos cuidados da mãe. “Minha relação com a ancestralidade também se aprofundou na Umbanda, que me mostrou nossa história pela vivência e

não só pela leitura”, completou.

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Thais Lemack — minha advogata — talentosa, estudiosa, cautelosa e sagaz. Nossa amizade nasceu de uma curtida no Instagram e virou uma troca profunda. Filha única, Thais escolheu a advocacia para enfrentar o sistema que, historicamente, tenta limitar mulheres pretas. Como ela mesma diz: “Minha decisão de seguir a carreira jurídica nasceu da compreensão de que o sistema de justiça brasileiro foi moldado para manter estruturas de controle racial herdadas da escravidão. Ser advogada é um ato de resistência e representatividade”.

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Juliana Rodrigues eu conheci no trabalho. Personal make da icônica Zezé Motta  com quem tive o privilégio de realizar projetos lindos — Ju logo virou amiga. Ela tem a energia da geração Z: uma mulher preta da Baixada Fluminense que aprendeu cedo a construir o próprio caminho com arte e coragem. Vem de uma família de mulheres que sustentam o mundo com as próprias mãos. “É nelas que me inspiro — e, através de mim, essa herança continua”, destacou.

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Fê Sousa, profissional de performance e gestão de pessoas, corredora apaixonada, duas Majors Marathons, pódios e histórias. A corrida nos encontrou. Para ela, ancestralidade nasce do feminino e de uma família de cinco mulheres: “Minha avó, mulher negra e nordestina, resistente como uma maratona, e suas quatro filhas, Dalva, Dinalva, Daguimar e Deuza, todas com ‘D’, numa proteção simbólica”. E completa: “Ajusta a rota, respira fundo, desvia do tumulto, acerta o ritmo e segue.”

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Norma Cristina, pra mim, é um carnaval inteiro: brilho, ritmo, potência. Ela carrega a força de uma escola de samba premiada  e, claro, a alma vibrante de uma carioca flamenguista. Cresceu vendo Glória Maria ocupar a maior tela do país com coragem e elegância, e foi ali que descobriu sua própria vontade de fazer jornalismo. Hoje, ela é referência e inspiração, sobretudo para as mulheres pretas da nossa geração e, tomara, para todas as que ainda virão.

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Suelen Fernandes, mais nova que eu e amiga da minha mãe antes de ser minha, me mostra como gerações se completam. O vínculo veio do olhar atento. Admira Marina Silva por sua perseverança. Bacharel em Recursos Humanos e Administração, me disse uma frase que carrego: “Não se compare. Brilhe à sua maneira.” 

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E, mesmo sem falas recebidas a tempo, levo comigo, Luiza de Deus e tantas amigas, que gostaria de citar mas não cabe num texto, vocês são  mulheres que também atravessam minha história e que ampliaram minha visão de mundo. Cada uma delas, à sua maneira, reforça que somos muitas e somos potentes.

 

E quanto à nossa perspectiva? Ela é essencial. É a visão de quem sabe o que é enfrentar barreiras impostas por um sistema que historicamente nos marginalizou, mas também de quem nunca desistiu de lutar pelo que é seu.

 

Nossas vozes, quando unidas, criam uma sinfonia poderosa que reverbera por todos os cantos, exigindo justiça, igualdade e respeito. Não somos apenas números. Somos histórias vivas, corações pulsantes, mentes brilhantes que sustentam este país.

 

Depois de ouvir todas essas mulheres que me atravessam, fica ainda mais claro: nossas vozes não se quebram, elas se multiplicam.

 

Reconhecer nossas raízes é um ato de poder. Não há nada mais autêntico e mais mulher preta do que carregar essa autoconfiança que tantas vezes é tudo o que temos e, ainda assim, nos move. Caminhar em comunhão amplia nossas vozes e nos lembra que nunca estamos sozinhas.

 

Porque a ancestralidade é força. E é essa força que nos guia, nos sustenta e nos empurra para além do que um dia nos disseram que era possível.

 

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Se você ficou até aqui, minha gratidão. E lembre-se: a fé ri das impossibilidades. 

 

Até a próxima!🌻

Ana Paula de Deus

 
 
 

11 comentários


Convidado:
há 4 dias

Parabéns pelo belíssimo texto... impecável. "Fé é força que sustenta"

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Felipe de Deus
há 4 dias

Que texto maravilhoso irmã, orgulho de ti!

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Tati
há 5 dias

Orgulho de ter vc como amiga e ainda contar com uma leitura de um conteúdo de tanto poder. Arrasa mto maravilhosa 👏❤

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Marcele
há 5 dias

A potência de mulheres incríveis que inspiram ✨

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Convidado:
há 5 dias

Parabéns Amiga !!!! Vc merece demais !!! Todo sucesso do mundo!🩷🇵🇹 Ass: SANTIAGO.

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