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“Anora”, entre o sonho e o caos

“Anora” não é uma obra de mero entretenimento; ela oferece uma análise profunda das dinâmicas de poder e influência da oligarquia russa nos Estados Unidos.

 

A história acompanha uma stripper de Nova Iorque chamada Ani, interpretada brilhantememnte por Mikey Madison. Na boate, um dos clientes pede uma dançarina que fale russo. O rapaz é Vanya, (Mark Eydelshteyn), e vemos logo que se trata de alguém poderoso, daqueles que são cercados de amigos que aproveitam tudo que o dinheiro pode comprar. Aliás, o filme mostra bem como magnatas russos utilizam os Estados Unidos como palco para suas extravagâncias, incluindo fantasias de todos os tipos. Vanya se encanta por Ani, a contrata e a leva para a sua casa. Vanya parece não ser um bom amante a princípio, fica impressionado com a sensualidade de Ani e ela a ensina sobre as nuances do prazer e ele aprende direitiho. As cenas de paixão entre os dois são bem interessantes e a química entre os dois é boa. O rapaz a trata como namorada e aí pensamos estar assistindo a história de “Uma linda mulher” contemporânea. Roupas, mordomias, história de amor e acontece o casamento dos dois em Las Vegas. Está tudo muito lindo na primeira parte do filme.

 

Temos a virada da segunda parte e Ani se vê enredada nas teias de poder ao ter se casado impulsivamente com Vanya. Ao contrário do romantismo idealizado do filme da Julia Roberts, “Anora” passa uma visão desiludida das relações baseadas no poder e, claro, no dinheiro. É uma narrativa que desafia quem assiste a confrontar a realidade de que há pessoas intocáveis por causa da robustez do poder oligárquico, é um outro nível de riqueza e poder: o nível do onipotente.

 

Mikey Madison disputa o Oscar de Melhor Atriz pela performance em Anora. A atuação crua de Mikey mostra alguém que, apesar de ser uma profissional do sexo, tem reservas quanto à intimidade, à entrega sentimental. E é exatamente essa dicotomia, esse paradigma, que faz de Ani uma personagem com diversas camadas emocionais, dando riqueza à protagonista.

 

Durante a trama, descobrimos que Ani, na verdade, chama-se Anora e é descendente de armênios. Mas ela prefere ser chamada de Ani, uma forma menor e mais americanizada para se distanciar de sua ascendência, e esta é só uma de suas facetas. Ani é uma mulher que equilibra vulnerabilidade e resiliência; ao mesmo tempo que é dura e despachada, que esperneia e enfrenta os poderosos, é uma mulher sensível que chora, que sente (assim como os heróis gregos que sofrem e a gente gosta tanto). Já Ivan, que atende pelo apelido de Vanya, é um playboy sem limites. Apesar de estar na casa dos 20, Vanya é um menino; passa muitas horas no video game, é anfitrião de grandes festas regadas a drogas, bebidas e com direito a muitas acompanhantes de luxo. Apesar de viver solto e ter Nova Iorque como seu parque de diversões, Vemos um Vanya um garoto que lida com uma solidão mascarada de festividades e alguém que tem o privilégio absurdo de uma linhagem que pode fazer o que bem entende.

 

Durante todo o filme, temos momentos bem diferentes: de riqueza absoluta e a dureza da realidade. A direção de fotografia de Drew Daniels mostra essa dicotomia, alternando entre cenas de opulência deslumbrante e momentos de crueza desconcertante. Sean Baker assina roteiro e direção e não se esquiva de temas espinhosos, abordando a corrupção moral e a conivência de estruturas americanas. Vemos o cacife russo mandando e desmandando, o que nos faz pensar sobre a vulnerabilidade das sociedades diante de um poder hegemônico que nem permite uma reação, de tão grande que é.

 

O final do filme é um tapa na cara do espectador. Ele nos leva a refletir sobre a nossa própria existência, sobre a nossa própria forma de relacionamento e sobre os muros que erguemos em volta de nós mesmos para dificultar o acesso das pessoas a nós



Por Cláudia Felício (autora best-seller, roteirista e crítica especializada em cinema)

@claudiafelicio


 

Cláudia Felício


 


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