A Tragédia da Ilha do Braço Forte
- Flavio Santos

- 1 de nov.
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Nas últimas horas do dia 6 de maio de 1954, o guarda Manoel Teixeira Filho, residente na Ilha do Braço Forte e funcionário do Porto do Rio, tentava desesperadamente uma comunicação via rádio com seus superiores. Um princípio de incêndio foi detectado por ele em um dos armazéns de inflamáveis da ilha. Esperando pelo pior, o guarda acionou os outros funcionários e seus familiares, residentes na ilha, para abandonarem o local imediatamente. Embarcaram em um pequeno bote e aguardaram ao largo da ilha, em uma distância segura, no negrume das águas noturnas da Baía da Guanabara. O inspetor da Polícia Portuária, João Bandeira de Melo, que recebeu o pedido de socorro, requisitou a ajuda do posto de bombeiros da 1.ª Zona Marítima do Distrito Federal.


O Corpo de Bombeiros da Capital enviou uma lancha, a “Cunha Pires”, dotada de bomba para serviço e embarcada com a tripulação do pessoal dos Postos Marítimos. A bordo da lancha e realizando o primeiro combate ao fogo, estava o major Gabriel da Silva Teles, comandante da 1.ª Zona Marítima, acompanhado do subcomandante do corpo de bombeiros, o tenente-coronel Rufino Coelho Barbosa, e de seu filho, Jurguets Coelho Barbosa, médico. Um rebocador da Marinha do Brasil, o “Tridente”, e uma barcaça, a “Passo da Pátria”, foram enviados em auxílio aos bombeiros. Os marinheiros deslocaram os funcionários do porto e seus familiares para a Ilha de Paquetá. Quando os soldados do fogo, no total 23 combatentes, já penetravam o recinto do depósito em chamas, foram registradas duas explosões de magnitude média. No inquérito aberto posteriormente, em depoimento registrado no dia 21 de maio, um dos sobreviventes, o médico-bombeiro Juguets Barbosa, disse ao delegado responsável que os combatentes não foram advertidos da periculosidade do material armazenado.

A imprensa começou a se deslocar para o porto do Rio de Janeiro e tenta se aproximar da ilha com os barcos disponíveis. A viagem, desde o Cais Pharoux até a ilhota, levava cerca de 45 minutos. Segundo os primeiros relatos, uma explosão gigantesca, a terceira, aconteceu às 23:40 do dia 6 de maio, destruindo todas as construções da ilha e arremessando os corpos dos bombeiros, centenas de metros nas águas da Baía de Guanabara. Quase toda a guarnição da 1.ª Zona Marítima foi aniquilada, 17 bombeiros faleceram. O estrondo pode ser ouvido até o Posto 6, em Copacabana. A busca por informações ocasionou um congestionamento nas comunicações telefônicas da antiga capital.


Uma catástrofe anterior motivou a construção de um posto especial para explosivos e inflamáveis. Em fevereiro de 1925, aconteceu algo parecido na Ilha do Cajá, no município de Niterói, perto do bairro da Ponta d’Areia. A presidência da República, através do antigo Ministério de Viação, expediu um decreto-lei, de outubro de 1926, para o contrato de obras de adequação da Ilha do Braço Forte, pela Companhia Brasileira de Portos. As obras se estenderam até o ano de 1934, quando a empresa foi encampada pela União. O local, uma ilha isolada, parecia a solução adequada e definitiva. Porém, passados os cuidados e o entusiasmo inicial, as obras se tornaram morosas e os procedimentos rigorosos planejados foram relaxados. Passados alguns anos, os armazéns mais antigos já apresentavam destelhamento e paredes castigadas pelas intempéries. Em abril de 1950, aconteceu outra explosão, na Ilha Comprida, próxima à do Braço Forte, quando um tanque de gás foi aos ares, gerando pânico à população.

O corpo de bombeiros e a Marinha do Brasil começaram imediatamente a procura dos corpos desaparecidos, com ajuda dos escafandristas da flotilha de submarinos. No mesmo dia sete, foi enviada uma cábrea da Marinha para içar a lancha General Cunha Pires. Alguns bombeiros foram dados como mortos, mas se apresentaram dias depois, por pura falta de precisão no registro de folgas. Seis feridos foram levados para tratamento. A primeira vítima identificada foi o segundo-sargento bombeiro Edgard de Barros Lima. O herói foi enterrado em 9 de maio do mesmo mês, no cemitério de São Francisco Xavier, bairro do Caju. A violência da explosão fez com que alguns corpos fossem desmembrados e decapitados. Entre o dia 7 e o dia 11 de maio, foram encontrados mais dois corpos, um na ponte das Barcas, em Paquetá, e outro na Ilha do Governador. O último desaparecido foi encontrado no dia 17 de maio, o bombeiro Orlando Xavier da Costa. Durante as buscas, foi achado um relógio na lancha Cunha Pires, pertencente a um dos bombeiros mortos. O mostrador do aparelho quebrado marcava zero hora e vinte e sete minutos.



Comandantes de vários batalhões dos Corpos de Bombeiros dos estados do Brasil visitaram a ilha e prestaram solidariedade às vítimas, outros enviaram coroas de flores. No funeral conjunto da maior parte dos falecidos, estava presente o então Ministro da Justiça, Tancredo Neves. As exéquias pelas almas foram celebradas pelo Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Jaime de Barros Câmara, no altar-mór da igreja do Largo de São Francisco de Paula, no dia 21 de maio. A Companhia Sul América pagou o seguro aos familiares dos bombeiros, os valores variavam entre 100 e 20 mil cruzeiros. Todas as vítimas da catástrofe foram promovidas post-mortem. Um terreno foi doado pela Santa Casa da Misericórdia, em maio de 1955, medindo 3 por 12 metros, para a construção de um mausoléu do Corpo de Bombeiros, no cemitério de São Francisco Xavier. Clubes esportivos, como o Flamengo e Botafogo, organizaram partidas beneficentes para arrecadar fundos para as famílias dos falecidos. Uma corrida automobilística foi disputada na Quinta da Boa Vista, pelo mesmo propósito. Finalmente, no dia 22 de maio, os cinco sobreviventes voltaram à ativa. Surpreendentemente, em somente 28 dias, foram reconstruídas as instalações para armazenamento de inflamáveis na Ilha do Braço Forte.





Iniciou-se então um dos esportes preferidos dos brasileiros, que não é o de prevenir acidentes, mas de achar culpados. Qual foi a causa da tragédia da Ilha do Braço Forte? Quanto ao laudo técnico do crime, ficou encarregado o engenheiro Gustavo de Macedo Soares, do Gabinete de Exames Periciais, que trabalhava no relatório parcial. Inicialmente, achavam que o incêndio fora causado por combustão espontânea de hidrossulfito de sódio, devido à estocagem inadequada e resultado da negligência dos administradores dos armazéns. O delegado Brandão Filho, da Divisão de Ordem Pública e Social, o DOPS, do Distrito Federal, recebeu de seu colega da capital fluminense a informação de que a tragédia fora intencional. Tratava-se de um grande desvio de material para a fabricação de munições e fogos de artifício. A investigação ficou dividida entre o DOPS e a 3.ª Delegacia Distrital do DF, comandada pelo delegado Pires de Sá. A investigação sobre o contrabando de material explosivo cabia ao DOPS, e à 30.ª Delegacia, o inquérito criminal. Logo nos primeiros dias, foi descoberto que contrabandistas, em sua maioria pescadores, forneciam o material roubado da ilha para a Fábrica de Fogos Santo Antônio, em Neves, município de São Gonçalo. Finalizado o inquérito, os autos foram remetidos à Justiça no dia 25 de junho. Ficou declarado naquela peça que não se poderia concluir que o incêndio fora intencional. Foram indiciados o industrial, o fiel dos armazéns e dois canoeiros que auxiliaram no transporte do material. No início de dezembro, o fiel foi denunciado pelo promotor público por negligência e imprudência e ter concorrido para a explosão da carga de hidrossulfito de sódio.

Todavia, no mesmo mês, aconteceu uma reviravolta no caso. Emílio (ou Emídio) Manuel da Costa, vulgo Nidas (ou Nidar), assassinou sua amante, Isaura, sendo preso. No presídio da cidade de Niterói, contou a um colega de prisão que matara a companheira para impedi-la de denunciá-lo como envolvido na explosão da Ilha do Braço Forte. O esquema era o seguinte: Manoel Alves, o “Manoel Fogueteiro”, o industrial da fábrica de fogos Santo Antônio, contratou Nidas para roubar quantidades expressivas de material dos armazéns da ilha. Para isso, Nidas contou com a ajuda de um comparsa, “Jorge Beleza”, um pescador, que recebia pelos “fretes” do material roubado. Porém, devido à quantidade de material já retirado, era preciso acobertar o desfalque. Manoel Fogueteiro prometeu 100 mil cruzeiros a Nidas para cometer o crime. No dia da tragédia, Jorge Beleza e Fogueteiro, a bordo do barco São Pedro, partiram para a ilha. Lá chegando, posicionaram um tambor com óleo perto dos armazéns e conectaram ao pavio, que foi até um local seguro. Jorge Beleza acendeu o pavio. Por este “serviço”, recebeu míseros 200 cruzeiros. Todos foram presos, Fogueteiro foi para o quartel da Polícia do Exército, por estar envolvido com contrabando de armas. Jorge Beleza ficou na 30.ª D. P. da Capital Federal e Nidas voltou ao presídio de Niterói.

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➔ BNRJ = Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro;
➔ Algumas fotos, com marcas do tempo e falhas de impressão, foram corrigidas com auxílio de IA.
Flavio Santos


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