A Onda-Motor de Salviano de Figueiredo
- Flavio Santos

- 31 de jul.
- 6 min de leitura
A busca por uma fonte de energia alternativa e barata sempre será uma das obsessões da humanidade. Uma delas, a gerada pela força maremotriz, é ainda hoje um problema não resolvido por completo. Não se trata de um interesse novo. Em países como a China e a Inglaterra já existiam pequenas usinas antigas que conseguiam obter alguns cavalos-força, aproveitando as ondas do mar. Mas, para a nossa escala de interesse, devemos voltar ao contexto conturbado, gerado pela Primeira Guerra Mundial e o subsequente surto inflacionário no preço dos combustíveis.

A vida do paraibano Antônio Salviano de Figueiredo, nascido na cidade de Areia, começou a mudar no segundo semestre de 1915. No final de agosto daquele ano, o jovem esteve na redação do jornal “O Norte”, na capital, então chamada “Parahyba do Norte” - hoje João Pessoa. Na sala da direção, munido do projeto do seu invento, encontrou-se com o presidente do Estado, o coronel Antônio Pessoa. No dia seguinte, foi publicada uma matéria com destaque na primeira página.

Não demorou muito para o mecanismo ganhar fama na antiga capital da República. Já com domicílio no Rio de Janeiro, em 18 de novembro, ele obteve uma garantia provisória, com prazo de 3 anos, sobre a propriedade de “um motor actuado pelos movimentos do mar”. O inventor foi representado pelos procuradores e agentes de privilégios Moura & Wilson, firma da rua Primeiro de Março, número 37, sobrado.

Foi na 57ª Sessão do Clube de Engenharia, em 19 de janeiro de 1916, que o relator encarregado pela direção do clube, engenheiro Humberto Antunes, fez uma apreciação dos planos da engenhoca. A princípio, o engenheiro ficou impressionado e viu algo promissor na iniciativa. Porém, a discussão ficou adiada para a próxima sessão. Em 3 de fevereiro, Salviano obteve o parecer favorável do relator. Humberto defendeu o empreendimento, apontou falhas, lembrou do desafio do aproveitamento da energia oriunda da luz do sol e do mar.

Já com um nome fantasia e reformulado, em 1918, a planta do “Hydro-Motor" foi submetida a mais um escrutínio dos profissionais do Clube de Engenharia. Dessa vez, o laudo favorável serviria de base para requerer um investimento do governo, via Ministério da Fazenda, e uma permissão para construção de um protótipo nas oficinas do Lloyde Brasileiro. Em fevereiro daquele ano, a burocracia do ministério despachou o requerimento de Salviano, endereçado ao Lloyde, mandando “juntar informação” a respeito. Buscando resguardar seu invento, Salviano conseguiu mais uma garantia provisória para o aparelho, com o mesmo prazo anterior, do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, em junho de 1919. Mas só em 30 de outubro de 1923 ele recebeu o privilégio, número 14.093, com prazo de 15 anos, através do mesmo ministério.

Em 1922, começou a circular na Câmara, sem sucesso, o projeto do deputado paraibano Ascendino Cunha, destinando um prêmio de 100 contos de réis ao inventor. Em outra frente, instalado na rua Correia Dutra, número 142, Salviano convocava os empresários interessados para apresentações do projeto no Cinema Central. Na Paraíba, em 1923, cogitou-se um empréstimo de 100 contos para a montagem do aparelho em Cabo Branco.


Uma sociedade anônima foi instalada em abril de 1924, a Companhia Industrial Mar-Energo, para aproveitamento da energia das ondas, na rua do Passeio, número 45, Rio de Janeiro. A diretoria tinha como diretor-técnico Salviano de Figueiredo. O presidente era o almirante José Carlos de Carvalho. Após três meses, 5 anos desde o pedido inicial, o Ministro da Guerra autorizou a companhia a instalar o Hydro-motor no costão da fortaleza de São João para experiência definitiva do aparelho.
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No dia 7 de abril de 1926, os jornais da capital, a oficialidade, membros do Clube de Engenharia e demais autoridades se deslocaram para a velha fortaleza visando presenciar o teste definitivo do invento que iria, nas palavras de um deputado empolgado, “revolucionar a mecânica universal”. Na abertura do evento, Salviano fez uma pequena exposição sobre o maquinismo construído no Arsenal de Marinha: “só com o deslocamento dos flutuadores, as cremalheiras a eles ligadas acionam um eixo que, por sua vez, está articulado por meio de suas rodas dentadas a outro eixo suportando um volante”. Para o funcionamento em sua plenitude, o aparelho necessitava de 10 flutuadores, mas as condições orçamentárias permitiam somente a construção de 3 peças. Naquela altura, a companhia Mar-Energo nem sequer constituiu seu capital.

Nos jornais matutinos, as opiniões se dividiram. O periódico O Paiz, menos entusiasmado, relatou que o aparelho foi ligado e desligado várias vezes, produzindo, a despeito dos movimentos desordenados das ondas, um funcionamento uniforme e contínuo. O teste teve o efeito esperado, gerou alguma energia, mas a reportagem deixou claro que o Hydro-Motor estava “inçado”, ou seja, repleto de defeitos. Em contraste, a reportagem de O Globo enalteceu o aparelho, dizendo que ele funcionou “do modo mais satisfactorio, de forma a ficar demonstrada a efficiencia desse systema mecanico”. O aparelho foi desmontado e passou a funcionar no forte de Copacabana.

Primeiramente na Câmara e depois no Senado, o projeto de número 237 entrou em discussão em setembro de 1928 para conceder um prêmio de 100 contos ao inventor. O presidente Washington Luiz assinou o decreto nº 18.558, em 10 de janeiro de 1929, concedendo, via Ministério da Guerra, o crédito especial. Entretanto, enquanto o projeto tramitava no Congresso Nacional, em um relatório de novembro de 1927, os consultores técnicos do Diretor Geral da Propriedade Industrial vaticinaram: o Hydro-motor já pertencia a um tipo conhecido e rudimentar de máquinas de captação de energia das ondas. Os flutuadores, peça receptora, tinham defeitos. Os órgãos de transmissão, em cabos de aço, eram inadequados, assim como as molas utilizadas no mecanismo de transformação do movimento alternativo em contínuo. Finalmente, tinha alto custo de instalação, baixo e inconstante rendimento. Não deveria ser digno de um prêmio.

A informação certamente vazou e o interesse pelo invento arrefeceu, a despeito de todos os pareceres do Clube de Engenharia. Rebatizando seu invento de “Onda-Motor”, Salviano ainda tentou, em 1933, um pedido de privilégio no Departamento Nacional de Propriedade Industrial. O pedido foi indeferido. Flertou com o governo da Itália, desde 1934, por correspondência, através do cônsul geral do país no Rio de Janeiro. Os fascistas teriam demonstrado interesse em industrializar o invento. Patenteou o aparelho naquele país, em 1937. Em 1939, foi feita uma nova tentativa de obter recursos, via Ministério do Trabalho e com parecer favorável do diretor do Departamento Nacional da Propriedade Industrial, que encaminhou o pedido à secretaria da presidência da República. Teve o mesmo resultado. Lutou até 1940, quando, em entrevistas, dizia precisar de 1.000 contos para “industrializar” sua Onda-Motor.

Salviano faleceu em 19 de abril de 1941 sem ver seu invento popularizado. Foi sepultado no cemitério de São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro. Em 1945, o irmão, Adolfo Salviano, ainda tentou, sem sucesso, repassar o invento para qualquer empresário interessado em desenvolver o aparelho. Existe em algum arquivo, um filme cinematográfico com uma apresentação do Onda-Motor. No dia do teste, de abril de 1926, na fortaleza de São João, emocionado, em entrevista ao jornal O Globo, Salviano de Figueiredo disse: “O brasileiro é o próprio sacrifício personalizado”.
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ABNRJ: Acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro;
ANRJ: Arquivo Nacional do Rio de Janeiro;
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Flavio Santos


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