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Revista do Villa

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Entrevista: Squel Jorgea (Porta-bandeira)

Entrevista com a porta-bandeira Squel Jorgea, que também comanda o projeto oficina do bailado.


Em grande estilo, a elegante porta-bandeira Squel Jorgea
Em grande estilo, a elegante porta-bandeira Squel Jorgea

1- Olá Squel! Voce poderia comentar sobre o projeto oficina de bailado que você vai ministrar em 10 localidades do estado do Rio de Janeiro (Japeri, Mesquita, Tijuca, Maricá, Niterói, São Gonçalo, Belford Roxo, Gamboa, Itaboraí e Madureira), entre os meses de maio e agosto, com entrada franca? Qual é a sua proposta? Qual será o público principal do projeto?


A oficina de bailado da porta-bandeira é um projeto que muito me orgulha em realizá-lo de forma itinerante, podendo conhecer lugares que eu não conhecia e assim acessar as pessoas que não conseguem, às vezes, sair dos seus lares, para irem até uma quadra de escola de samba para poder ter contato com alguma escolinha. Está sendo uma vivência muito bacana, uma troca de aprendizado muito bonita e enriquecedora para minha carreira. A entrada é gratuita e a proposta é atingir o público feminino em vulnerabilidade social para meninas a partir de 14 anos, que queiram se permitir viver essa experiência, vencer esses desafios. Na primeira aula, em Japeri, tivemos senhoras que se permitiram desafiar os limites do próprio corpo fazendo coisas que elas achavam que não iam conseguir. No final da aula, elas estavam fazendo. Eu fiquei muito feliz em ter vivido essa experiência com elas.



2- Quando você começou a se interessar por dançar como porta-bandeira e como foi a sua formação?


O meu interesse pela arte da porta-bandeira começou quando eu era bem novinha. Eu frequentava a escola de semana Grande Rio com o meu pai e eu via a Graciléia dançando, depois a Ana Paula me arrebatou com o estilo de dança dela. A minha formação começa na Grande Rio, na ala de mestre-sala e porta-bandeira mirim, 12 anos, e aí eu comecei a minha trajetória na escola, onde eu havia sido baianinha e passista mirim. Então, com 12 anos me torno porta-bandeira mirim e permaneço na ala por três anos. Depois, a escola fez um concurso fechado para a segunda e terceira porta-bandeira, entre as alunas que já faziam parte da escolinha e fui escolhida para ser a segunda porta-bandeira da escola, permanecendo no cargo por três anos. Aos 18 anos, assumi o cargo de primeira porta-bandeira estou nesse caminho há 27 anos.



3- Quais foram as agremiações pelas quais você dançou como primeira porta-bandeira?


Comecei a minha trajetória pela Grande Rio, agremiação pela qual eu iniciei a minha vida no samba e onde fiquei 19 anos. Em 2012, eu encerro meu ciclo na Grande Rio. Em 2013, faço uma estreia na Mocidade de Padre Miguel, mas foi uma passagem breve. No ano seguinte, em 2014, eu pude realizar o sonho da minha família em defender o pavilhão da escola onde o meu avô se consagrou um grande baluarte, que é a Estação Primeira de Mangueira. Acho que eu desabrochei ao chegar na Mangueira, as coisas mudaram muito para mim. Eu fui muito feliz ali, fiz parte de dois títulos conquistei dois estandartes de ouro em desfiles muito importantes para a escola. Em 2022, encerro a minha trajetória na Mangueira, fico um ano sem dançar e puder realizar o meu sonho de ser mãe. Sou mãe do Enrico, que hoje tem dois anos e é o amor da minha vida. Achei que fosse ficar fora do Carnaval, mas a Portela com todo o seu jeitinho e palavras certeiras através do atual presidente Junior Escafura, na época ele era o vice, e eu não tive como não voltar ao Carnaval e retorno pela centenária Portela.



4- Como você caracteriza o bailar da porta-bandeira?


O bailado da porta-bandeira é um bailado único no mundo. Só aqui no Brasil fazemos isso com excelência, não à toa as pessoas que amam essa arte querem se especializar nela, buscam profissionais brasileiros para poder aprender e estudam os nossos vídeos. É um bailado único que mescla tipos de danças diversos, mas a nossa dança ela é ancestral, tem característica na dança negra. Apesar de tantos termos que já ouvimos falar que são termos oriundos do balé, que também têm a sua a participação e contribuição na evolução da nossa dança, mas é uma dança que acaba englobando diversos estilos. Mas o que nos norteia são os movimentos oriundos da nossa ancestralidade, que aprendemos com os nossos antepassados e damos sequência, que são os movimentos de matriz africana.


Para o mestre-sala, os movimentos da capoeira norteiam esse exímio dançarino, alguns estilos se confundem com aqueles que são mais clássicos. Esses que são mais clássicos misturam bem esses dois estilos de dança, tem aqueles que são mais “malandreados”. A porta-bandeira tem que ser clássica, elegante, saber girar para os dois sentidos, tanto horário quanto anti-horário. Nisso, acho que vamos unindo movimentos de dança contemporânea, movimentos do balé, movimentos de dança afro.



5- No item fantasia, como você gosta da sua roupa?


No item fantasia, acho que toda porta-bandeira quer uma roupa que nos permita evoluir com todo o garbo e elegância que a nossa dança requer. Hoje em dia é uma disputa muito grande, então, precisamos ter um preparo físico muito bom para podermos aguentar todo o processo de apresentações e a evolução ao longo da avenida. Precisamos de uma fantasia adequada, que nos permita dançar e fazer o que foi proposto para a coreografia. Tem que ser uma fantasia “confortável”, uma fantasia que nos ajude a fazer o nosso trabalho, a desenvolver a nossa arte.


Squel brilhando na Avenida
Squel brilhando na Avenida

6- Por falar em fantasia, um dos momentos marcantes da avenida foi quando você desfilou de Iaô na Mangueira do Carnaval sobre a cantora Maria Betania. Como se deu o processo de criação da fantasia?


A fantasia da iaô foi um momento muito bonito que eu vivi. A primeira vez que eu vi o figurino, foi de muita celebração. Eu ainda não tinha visto um figurino tão bonito e cheio de significados e cheio de força, um figurino que só de olhar já tinha uma força muito grande. Em nenhum momento eu tive dúvidas em desfilar careca. O teste de maquiagem levou nove horas e a nossa referência era uma foto do fotógrafo Pierre Verger de uma iaô e ela estava dormindo e é uma foto linda. Durante o processo do teste, já com a touca de látex na cabeça, eu acabo dormindo. Quando tiram uma foto minha, estou com a cabeça inclinada e com o rosto sereno, igual a iaô. Foi um processo muito bonito que eu vivi. Através do Carnaval, você vai adquirindo muitos conhecimentos artísticos e ficando admirada com a dimensão do trabalho das pessoas e como esse trabalho agrega ao seu. Foi bem bonito viver isso, o dia do desfile foi incrível, e aí a preparação durou cinco horas, e eu depois não pude mais descansar, não podia mais deitar, não podia mais encostar em lugar nenhum porque tinha todo a preocupação do pescoço, da touca de látex para eu ficar careca que fazia o acabamento do pescoço. Quando chegamos na avenida, quem estava em volta falou que parecia um encantamento, que as pessoas não acreditavam no que estavam vendo e ficaram na dúvida se eu realmente havia raspado a cabeça.



7- Todo integrante de escola-de-samba tem uma história para contar. Gostaria de saber se voce poderia nos contar um desses "causos"?


Todo integrante tem várias histórias para contar! Vou contar uma história que acabou ficando engraçada, mas na hora foi um grande nervosismo. No Carnaval de 2004, o Sidclei Santos (hoje ele está no Salgueiro) era o meu mestre-sala, estávamos vivendo a experiência de usar fantasias customizadas por camisinhas, preservativos masculinos. Quando o Joãosinho Trinta nos apresenta essa ideia, primeiro ele me deu só um casaco para eu vestir, uma peça que a modelo Naomi Campbell havia usado num desfile. Era só um casaco com um peso bom, muito tranquilo. Depois vieram os problemas da confecção porque era um trabalho manual, extremamente artesanal usando diversos modelos de camisinha. Foi um processo bem difícil e demorado. Como se não bastasse tudo isso, o Joãosinho Trinta que até então não tinha colocado esplendor (adornos exuberantes que compõem a fantasia) nenhum no casal, na reta final dos preparativos para o Carnaval, ele resolve colocar. Mas não tinha mais tempo para mandar fazer os arames dos esplendores.


Então, o costureiro que estava fazendo as roupas viu que ele tinha no ateliê e cada um foi com um diferente. Eu fui com esplendor de ombro e Sidclei foi com um direto nas costas. Só que esqueceram de colocar a trava de segurança no Sidclei, então, naquela loucura que foi o Carnaval da camisinha, quando a gente começa o desfile e chegamos na altura da primeira cabine, estamos girando e aí eu só vejo aquela coisa laranja (esplendor) voando e passando por mim. Eu continuei girando e tentando entender o que era aquilo e olhei para o Sidclei e ele estava apavorado. Seguimos com a nossa apresentação, concluímos, mas foi desesperador porque o esplendor voou. Foi muito tenso, difícil, mas passamos por isso e hoje é uma história.



8- Você valoriza as suas ancestralidades?


A minha ancestralidade norteia a minha vida. Louvo sempre aos meus ancestrais, estou sempre falando sobre eles e agradeço por me permitirem chegar até aqui. A forma como encontramos para poder seguir nessa vida, precisamos de fé em muitas circunstâncias, não é só o fazer, precisamos acreditar em algo e a minha ancestralidade, olhar para trás, olhar para a história do meu povo, da minha família e ver por todo o caminho percorrido para que hoje eu possa estar aqui. Uma mulher de origem negra, oriunda da Baixada Fluminense, poder estar aqui dando uma entrevista sobre o trabalho dela, que também foi muito marginalizada pela sociedade. Hoje estou aqui podendo falar. Então, se todos os meus irmãos de cor estamos aqui hoje, e aos que sobrevivem de arte popular como eu, se a gente hoje já tem espaço de fala, é graças aos nossos ancestrais que começaram a luta lá atrás. Então, valorizo sempre e agradeço muito por toda a força que eles nos dão para podermos seguir.



9 - Dos carnavais que você participou, qual é aquele inesquecível, que mais toca o seu coração?


Não vou conseguir citar um. São 30 anos desfilando e eu tenho muitos momentos que me marcaram. O meu primeiro desfile com baianinha em 1993 com o enredo “No mundo da lua”, na Grande Rio, eu ali entrando ao lado de 100 meninas. É uma imagem que eu tenho até hoje muito viva na minha memória. Outra lembrança é a primeira vez no desfile das campeãs no Carnaval de 2003, que era o sonho da escola e poder fazer parte disso. Outro momento inesquecível é o Carnaval de 2015 em que eu desfilei debaixo de um dilúvio, não era uma chuva, e a Mangueira não fez um desfile tão bom assim e as minhas notas conseguiram ajudar a escola. Eu não sei como eu consegui dançar no debaixo daquele dilúvio e eu fui de forma destemida. Foi quando eu recebi o meu primeiro estandarte de ouro e foi um desfile que fez com que eu me superasse enquanto arista e ser humano. Outro momento inesquecível para mim foi o meu primeiro título no Carnaval de 2016, quando eu pude conhecer a Maria Bethânia (a artista foi tema do samba-enredo da Mangueira), de quem eu sou fã, e foi também quando eu recebi o meu segundo estandarte de ouro. Para encerrar, a minha estreia na Portela, que marca o novo ciclo da minha vida como mãe. É a porta-bandeira mãe desfilando e aí tudo muda. Na minha cabeça eu só pensava que eu precisava dar orgulho para o meu filho. 



10 - Quais são os seus projetos futuros?


Vou concluir agora esse ciclo itinerante de oficinas até agora. Um projeto futuro é que eu possa trabalhar e que o meu trabalho ajude a Portela a conseguir o tão sonhado título. Para mim é um sonho poder ser campeã pela Portela e seguir trabalhando de forma saudável, com saúde e poder me aprimorar. Encontrar, conhecer novas técnicas, poder estudar para que o meu trabalho possa crescer e evoluir.


O talento indiscutível da porta-bandeira Squel Jorgea na Portela. Um luxo!
O talento indiscutível da porta-bandeira Squel Jorgea na Portela. Um luxo!

Chico Vartulli


1 Comment


Ana Jardim
há 3 dias

Nunca havia pensado na coreografia de uma porta bandeira como um bailar. Muito interessante. Parabéns Chico. Sempre nos surpreendendo.

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