Estreou a peça teatral Caminho 22 no teatro Dulcina, espetáculo da Cia. Pandora.
O texto de Jaquelini Roversi mergulha na investigação do arquétipo masculino e suas distorções.
O personagem central é Ulisses, mais conhecido como Uli, um psiquiatra. Ele é interpretado por Manoel Madeira. Uli é casado com Pen, interpretada por Jaquelini Roversi. Ela está grávida. E ele quer manter relações íntimas com ela. Esta reluta e resista. E ele invade a sua intimidade, desrespeita-a. Ela acaba por acusá-lo de assédio psicológico, patrimonial, e sexual. Ela não consegue mais dialogar com o seu esposo. Então o abandona.
Por sua vez, Dai, uma das pacientes mais antigas de Uli, interpretada por Jordana Korich, informa ao mesmo que não prosseguirá mais no tratamento pois descobriu não ter esquizofrenia. Ela argumentou que é uma médium, que escuta e vê coisas. Uli tenta convence-la a permanecer, insiste em tom agressivo, mas Dai se mantem firme e insiste que não tem distúrbios psiquiátricos. Ela também abandona Uli.
Dai decidi abrir um espaço de terapias chamado "Caminho 22", para ajudar os outros a se entenderem em seus caminhos. Portanto, Uli foi abandonado pela sua esposa e pela sua paciente. Pen angustiada decidiu ingressar no Caminho 22 para acabar com a sua aflição.
Nesse momento tenso, Uli vai atrás de sua esposa no espaço terapêutico. Acha tudo uma grande palhaçada. Mas, contrariado, acaba ingressando no Caminho 22. Os atos abusivos e inconsequentes levaram Uli aquele espaço, momento de revisão da sua forma de pensar e agir.
No espaço terapêutico, Dai explica as regras a Uli, informando que ele não poderia ingressar no espaço feminino. A seguir, iniciou o tratamento com a terapia da regressão. Ele começa a entrar em contato com lembranças familiares e o seu passado vem a tona. Ele começa a conversar com sua mãe e avó já falecidas, e ele então terá revelações, sobretudo sobre o seu pai.
No espaço Uli conhece Alex, interpretado por Henrique Bulhões, rapaz que vivia em auto isolamento, e era usuário de drogas. Ele entrou em processo de crise, depressão, e buscou no espaço um tratamento para a sua saúde mental, e a criação de uma nova identidade.
Inicialmente, Uli tem boa relação com Alex, inclusive chama-o de irmão. Contudo, a relação desanda quando Uli apresenta a Alex uma foto do seu pai. O último informa que aquele homem da foto é seu conhecido, e foi ele quem o indicou para o espaço. Então, Alex apresenta a foto a Uli, e este é acometido por um sentimento de ódio, atacando de forma violenta e agressiva o colega. Uma atitude homofóbica. Uli não aceitou a informação de que seu pai era homossexual.
Na regressão, Uli descobre que o pai foi obrigado a abandonar a mãe porque tinha relações com homens. Uli reencontra a esposa. Mas ela não o perdoa. Dai solicita que Uli escolha uma carta. Ele escolhe a carta mundo. Um novo começo. Luz.
No fundo do palco aparece uma projeção, a imagem de seu pai tirando uma peruca loura da cabeça. Uli finalmente sabe que seu pai está vivo, e é homossexual.
O texto é crítico, reflexivo, potente, antimachista, anti-homofóbico, é um grito contra as atitudes abusivas e violentas que predominam na sociedade brasileira, produto do domínio patriarcal que prevalece desde tempos pretéritos.
O texto traz também como questão central a preocupação com a saúde mental, a importância de se ter uma mente sã E, no caso do espetáculo, nos é apresentado um centro de tratamento terapêutico com base na mediunidade, e em tratamentos regressivos. A dramaturgia aproxima teatro e psiquiatria. É importante detectar os sintomas que afetam diretamente o equilíbrio emocional dos indivíduos.
O elenco como um todo é coeso e equilibrado. Apresenta uma boa atuação. Os quatro atores (Manoel Madeira, Jaqueline Roversi, Jordana Korich, Henrique Bulhões, além de Bayard Tonelli (participação em vídeo) estão em sintonia e ajustados. Dominam o texto e o palco com segurança e firmeza. Aliam interpretações convincentes e expressam emoção. Utilizam uma linguagem didática que facilita a compreensão. Predomina um tom dramático e tenso, sobretudo nas interpretações de Uli.
A direção é de Leona Cavalli, que foi precisa, nas marcações e em detalhes de direção de atores.
A cenografia e os figurinos foram criados por Karlla de Luca. São simples, adequados, e de bom gosto. Há também projeção de vídeos e imagens.
A iluminação criada por Aurélio de Simoni é bonita, e realça as interpretações dos atores em suas diversas cenas.
Crédito das fotos: Hamsa Wood
Caminho 22 é uma peça que tem um texto crítico denunciando atitudes abusivas e violentas que predominam na sociedade brasileira; um elenco com uma atuação convincente; e uma direção precisa em suas marcações.
Excelente produção cênica!
Crítica redigida por Alex Gonçalves Varela
Alex Gonçalves Varela, historiador, professor do Departamento de História da UERJ, e autor de diversos artigos cientificos e livros. Atuou como pesquisador de enredo no universo das Escolas de Samba, sagrando-se campeao nos anos de 2006 e 2013. Amante das artes e da cultura.
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