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Revista do Villa

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A Culinária Brasileira


Ao organizar os meus arquivos ontem, encontrei uma cartinha do Professor Antonio Houaiss, com o sobrescrito da Academia Brasileira de Letras. Essas cartinhas se tratavam de longas trocas de receitas, nas quais ele dizia ser a gastromologia o levantamento sistemático das práticas de comer e beber, com receitas, origens, componentes, dosagens, circunstâncias, intenções e efeitos.

 

O segundo dos mais belos prazeres reservados ao homem – segundo palavras suas – que tanto maior será quanto mais aliado for a um sentido panteísta - encontra no Brasil uma vastidão de ingredientes e de origens que faz daqui um dos mais ricos centros de gastronomia do mundo.


Do pato no tucupi paraense ao arroz de carreteiro gaúcho, viajamos num sem fim de cozinhas deliciosas, ultrassofisticadas, diferentes e superimaginativas.

 


Baseada nas culturas indígena, portuguesa, espanhola e africana, a culinária brasileira tem seu início com o conhecimento das práticas dos índios. À Amazônia cabe a primazia do seu nativismo. É erro julgar que a típica cozinha brasileira é a mineira ou a baiana. É a cozinha indígena, na base de peixes e farinhas, com seus refrescos de frutas silvestres, menos colorida e menos requintada que a da Bahia, por exemplo. É comum na alimentação diária da população amazônica e foi a que menos sofreu influência europeia, devido ao distanciamento em relação aos índios.

 

A cozinha baiana, de origem africana, chegou até os nossos dias depois de uma série de alterações, mas para alguns, como eu, é das mais deliciosas. Moqueca de siri mole; caruru; vatapá; efó, arroz de hauçá; banana frita em óleo de dendê – riquíssimo em vitamina A – frigideira de camarão; feijão de leite; erã-paterê; efum-oguedê; bobó de camarão; molho nagô; sem citar as ambrosias, os beijos de jenipapo, as babas de moça, os beijus de carimã, os bolos de iaiá, os pés de moleque, os papos de anjo, os quindins. É na Bahia que encontramos a melhor pimenta malagueta, a única rica em vitamina C.

Em Salvador, à tardinha, tomando uma água de coco em Amaralina, admiramos as dezenas de mulheres negras e robustas, vestidas de branco rendado, sentadas em amplo círculo, levantando com escumadeiras de cabos longos os bolinhos superquentes, tirados de grandes bacias de amianto, fumegantes e a arderem nas espiriteiras prateadas. A cada ano se escolhe uma baiana como a representante do melhor acarajé do Recôncavo, e eu não sei e preciso saber a escolhida deste ano. Sei, todavia, que, na língua do Togo, “acarajé” significa “comer bola de fogo”.

 

São Paulo, Minas, Goiás e Mato Grosso nasceram insulares, isolados do mar e voltados para o interior. Os bandeirantes de São Paulo tiveram papel importante na colonização das Minas Gerais, de Goiás e do Mato Grosso, o que aumenta os traços culturais culinários. É verdade que Minas hoje é mais conservadora em suas tradições culinárias que São Paulo, mas sabe-se que é em São Paulo, e em um único fim de semana, que se dá a volta ao mundo. Não há nada mais feliz que visitar os restaurantes de Moema, ou aquele fantástico Rubaiyat, o deleitável da Alameda Santos, no qual se afunda em um tapete quase mágico de tão macio, senta-se em uma poltrona de couro, de primeira classe de avião supersônico e passa-se a ser servido das mais nobres carnes por não menos nobres garçons. E o que dizer do Dom, que tem como proprietário Alex Atala? Um dos mais importante chefs do Brasil.

 

“São Paulo é como o mundo todo”, o baiano reconheceu, perplexo, na avenida iluminada e fervente das noites de garoa da cidade monumento. O “buffet” de Pescados da Espanha e o Mediterrâneo, com o “Jamón” Pata Negra são a prova de que não só na carne brasileira o Rubaiyat é o máximo. E a Liberdade? Com seus restaurantes japoneses, nos quais se escuta, com frequência, o idioma e ouvem-se as músicas modernas de uma das pérolas da Ásia. A Culinária Brasileira é internacional também e cosmopolita ao máximo.

 

A Liberdade é o Japão em Sampa, enfeitada por lamparinas brancas e redondinhas, cujo nome eu não sei, mas gostaria de saber. Já os italianos vão eleger o Bexiga seu Éden, mesmo porque o Bexiga fica pertinho do Paraíso. Para se escrever sobre culinária no Brasil é necessário fazer-se em palimpsesto. Há tanto para se dizer que meus amigos já devem estar com água na boca e cansados da leitura.

 

Entretanto, faz-se mister não esquecer que em Minas, os doces são fartos e originalíssimos. Apresentam-nos em grandes tachos de cobre, e a couve à mineira, bem preparada, deve ter o alho colocado não na frigideira, mas na própria couve e por meia hora, antes de arremessá-la em uma frigideira quente de toucinho derretido, como uma grande chuva verde, fininha e delicada. Sobredoura-se a mesma com um apanhado de torresmos sequinhos e bem fritinhos. E viva o pão de queijo recheado! Igualável a Minas só mesmo os mineiros, pois encantadores, bondosos, silenciosos, respeitosos e bonitos. O bom de Minas é que está pertinho do Rio. E o bom dos mineiros é que adoram os cariocas.

 

E no Rio de Janeiro? Quinto dos sete filhos de uma família de imigrantes libaneses, Antonio Houaiss era carioca, filólogo, enciclopedista, acadêmico, tradutor, crítico, diplomata, ministro da cultura e gourmet. Publicou livros sobre assuntos tão diversos quanto política e culinária, obras de referência e traduções. "Ele sabe tanto sobre tantas coisas pelo fato de se haver apaixonado perdidamente por cada uma delas", disse, certa vez, o escritor Antônio Calado.

 

Em sua atividade diplomática, uma das épocas que mais se destaca é aquela em que foi ministro de segunda classe - o que quer dizer que era Ministro e não Embaixador, ao qual se atribui, no Itamaraty, o título de Ministro de Primeira Classe - na Organização das Nações Unidas (ONU). Lá, colaborou com o processo de negociação do armistício e da anistia de presos políticos em Ruanda e Burundi. Tornou-se referência para os líderes dos novos estados africanos, que nos anos 60 passaram a fazer parte da ONU. E foi compulsoriamente aposentado por invalidez, como o foi Vinicius de Moraes e outros, tradição que no Itamaraty representa uma honra até e sobretudo em nossos dias. Faço parte dessa lista de escritores banidos do Itamaraty!

 

No Rio de Janeiro, terra de Antonio Houaiss, o simbólico é a feijoada, e, nos sábados, apreciamos, com mais calma e mais tranquilos, o mais típico dos pratos brasileiros: uma combinação de carnes e embutidos, como a carne-seca (o chamado “charque” dos nordestinos), o toucinho de fumeiro (o “bacon” dos que assim preferem), o chispe, o lombo, a costeleta defumada, a linguiça, o chouriço, o paio em um caldeirão de feijão preto. Semelhante ao “cassoulet” francês ou à maniçoba paraense, no Rio podemos apreciá-la, dentre outros inúmeros restaurantes que a servem majestosamente, na Casa da Feijoada em Ipanema, cujo chef Giba, foi responsável pela introdução da mesma na Bélgica.

 

A couve, já acima descrita no preparo, é um dos acompanhamentos do prato que no Brasil foi executado pela primeira vez pelos escravos negros, assim como o arroz branco e a farofa, genuinamente brasileira. Mas a autêntica feijoada deve ser acompanhada das fatias da melhor laranja pera - muito embora a lima caia à perfeição - e de uma boa e bem dosada caipirinha.

 

Ah! A Feijoada Brasileira!

Melhor apreciá-la sob um forte temporal de verão, embaixo de um ombrelone, um grande guarda-sol colorido, de preferência amarelo. Sobre uma ampla toalha branca de linho fino e esvoaçante, em frente ao mar, ou em um belo sábado de sol no inverno, sobre uma toalha colorida de fundo azul-marinho, sob um ombrelone vermelho, nas montanhas de Mauá. Epicuro está tremendo na tumba.


 

Revista do Villa | Aurea Domenech


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